Eu havia pegado livros e quadrinhos novos e fui para meu "canto" após a aula, a praça ao lado da escola; lá tinha árvores enormes cujas sombras, no início, não abrigava pessoa alguma, agora é um local bem visitado. Tudo isso porque, enquanto Léo se divertia na companhia de Walleska, eu era lentamente deixado de lado por ele. Curiosamente, isso aconteceu em cada namorico em que ele esteve envolvido.
Adrian e Matheus recentemente entraram para o clube de boxe, Yago e Brenner gravam vídeos de Minecraft após as aulas. Eu não queria ficar sozinho, então nada de ir pra casa. Manuela estava muito ocupada e só voltava à noite e meu irmão trabalhava numa lanchonete-sorveteria, não tinha como passar o dia inteiro trancado em casa; eu ficaria louco.
Uma coisa que havia aumentado exponencialmente entre os alunos da Escola Homero era a disputa de manobras de skate nos bancos, escadas e corrimãos da praça. Garotos suados, sem camisa, com bandanas na testa e moletom na cintura, gritavam a todo momento e tornavam aquela leitura leve em uma cansativa luta entre palavras. Normalmente eles chegavam após a aula e saíam meia hora depois. Eu podia esperar. Me sentei.
Era perceptível que eu não teria paz, demorou mais de uma hora para que grande parte dos moleques se fosse. Ficaram uns cinco skatistas que já não disputavam, mas brincavam afastados. Mesmo com o som irritante de rolamentos eu decidi retornar à leitura.
Após muitos sorrisinhos bobos, meu rosto estava quente e eu sentia um pouco de dor nas bochechas, eu rio bastante quando gosto da leitura. Mal pude terminar um capítulo, pois um garoto de cabelos pretos, lisos e com uma pequena franja, e que ora ou outra dava saltos em sua prancha veio falar comigo.
"De que você ri tanto?", Ele deu um sorriso e estendeu a mão. Eu fiquei um tempo olhando sua boca: piercings simetricamente em cada lado dos lábios contrastavam com a covinha esquerda mais funda que a direita. "Posso me sentar aqui? Ahh, que calor!".
"Pode. Eu... Eu estava lendo um pouco". Tentei esconder a capa do livro; não gostaria que um estranho me visse lendo aquilo.
Ele tirou sua camisa suada, sacudiu como se abanasse uma fogueira e a colocou no primeiro galho que alcançou. Enxugou o excesso de suor com o moletom e se sentou em cima dele. Quantos garotos que conheço fazem isso?
"Ou, não precisa esconder. Eu nem queria saber qual era mesmo", seu olhar não estava de acordo com o que dissera. "Sabe, hoje não foi a primeira vez que te vi. Semana passada você estava debaixo dessa mesma árvore. Não resisti e vim conversar, você parece ser alguém legal". Ele olhou para um raio de sol por entre as folhas e fechou um olho enquanto mantinha o outro semiaberto.
"Essa é a primeira vez que te vejo por aqui, eu nunca presto atenção... São tantos skatistas".
"Sim, eu sou mais um entre os otários zoando a praça", Ele se inclinou um pouco em minha direção. Ele estava se inclinando mais do que eu esperava. "De que sala você é?".
"Sala 19, por q... ou, seu otário! Me devolve!"
Sua aproximação não era com outra intenção senão a de ver o que eu lia. Ele me distraiu e conseguiu pegar. Corri o mais rápido que pude, mas não o alcançava; ser sedentário tem seu preço. Ele não parecia querer me roubar, pois parava e balançava o livro sem se importar em estar mostrando a capa.
Eu estava muito nervoso, prestes a chorar, imagina se me veem lendo O Terceiro Travesseiro? Ele percebeu e veio devolver.
"Olha o que tu fez, porra, amassou todo", eu sempre tive muito cuidado com meus livros, tanto que raramente os emprestava, puxei o livro com força de sua mão.
"Desculpa, cara, foi mal". Ele não parecia ter percebido o conteúdo, a capa não era tão clara quando a isso. Por sorte ele não abriu.
"Me deixa!", voltei a me sentar. Agora seria difícil retornar a leitura.
"É sério, velho, era pra ser só uma brincadeira", seus olhos ficaram baixos, eu não sabia dizer se ele fingia outra vez.
"Humf".
"Eu sou da sala 26, segundo ano. Você é do primeiro, certo? Conheço todo o 'segundão' e nunca te vi por lá".
"Sim", eu estava quase que mandando ele ir embora.
"Olha, tá muito quente, vamos tomar sorvete?", O garoto abriu os olhos sobremaneira. Certamente estava empolgado, mas com o quê?
"Vamos", eu disse com certa moleza, não queria acreditar que ele teve a audácia de ignorar o que fez há alguns minutos.
"Não fique zangado pelo que fiz com o livro, se você quiser eu compro outro.
Foi a minha vez de arregalar os olhos. "Não precisa, vamos logo tomar o sorvete" eu ri de nervoso. Nem quero imaginar ele indo atrás de um livro como esse.
"Conheci a sorveteria no mesmo dia em que quebrei o braço, desde então só vou lá", ele insistiu na conversa, não fez um minuto de silêncio.
"Se for a que tem nessa direção, é a mesma em que meu irmão trabalha".
"Willian é teu irmão? Só pode ser ele; é o único cara de lá, todas as outras pessoas são garçonetes gostosas", fez um gesto como se apertasse peitos grandes.
Não precisei falar nada, ele se calou só com meu olhar. Depois de 10 minutos andando, chegamos.
Logo nas primeiras mesas pude ver Walleska tomando sorvete com um grupo de amigas. Ela acenou como se fôssemos grandes amigos, eu acenei de volta. Fingi não ver seu deboche e tentei não fazer contato direto.
"Amiguinho novo, né, só assim você larga o Leonardo".
Danillo olhou sério pra ela e me puxou pelo punho. "Vamos".
Eu pedi um básico de chocolate; ele, um enorme de açaí. Eu estava sem dinheiro algum e Willian havia saído. Por mais que Danillo tivesse sido um cuzão, eu ainda tinha vergonha de pedir o que eu realmente queria. Nos sentamos nas mesas do fundo.
"Quem é essa chata?", Danillo comeu uma quantidade considerável de sorvete. "E quem...", ele pôs a mão na cabeça e fez uma expressão de dor. A cefaleia do sorvete durou uns 30 segundos. "E quem é Leonardo?".
"Ela é a namorada do Léo; ele é meu amigo. Ela não gosta de mim porque diz que eu tomo muito do tempo dela com ele."
Danillo virou o rosto lentamente na direção dela. Não comentou nada sobre isso. "O que tu acha de irmos ao cinema?".
"É isso? Tu sequer perguntou meu nome e vamos ao cinema?", eu ri.
"Caralho, eu esqueci mesmo. Então... qual é?"
"Kássio".
"Err, Kássio, eu te deixo escolher o filme. Sabe, eu gosto muito de ir ao cinema".
Apesar de Danillo estar tentando se redimir por ter sido um completo idiota, eu estava me sentindo um pouco desconfortável por estar saindo com ele. Eu dificilmente saía assim, ainda mais com uma pessoa que acabei de conhecer.
"Você não acha que já fizemos muito por hoje? Você já me trouxe... Olha, o Willian chegou", levantei e ajudei-o a carregar algumas coisas que ele trouxe só para me distanciar um pouco de Danillo.
Voltei para a mesa e Willian fez como combinamos no almoxarifado.
"Vamos, já deu minha hora, temos que ajudar a Manuela a pintar as paredes da cozinha".
"Olha, eu já ajudei meu tio a pintar. Posso ir?"
Willian e eu nos olhamos. "Foi mal, é que já tem gente de mais", Willian foi rápido. No mínimo estranho que um cara que acabei de conhecer me leve para tomar sorvete, queira me levar ao cinema e ainda quer ir à minha casa.
"Tchau", eu disse baixinho estendendo a mão. Danillo a afastou e me 'roubou' um abraço.
Fiquei meio constrangido. Saímos e ele ficou.
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Going Under
RomanceKássio é um garoto louco por livros, estava no 1º ano do ensino médio e tinha 15 anos quando teve sua vida marcada pela morte de seu pai e por um namoro que deu errado. Ainda na mesma escola e passados dois anos, seu maior pesadelo volta a assombrá...