Ao final da aula eu estava atordoado e me perguntava como Léo não havia notado. Fui ao corredor do primeiro ano esperar pela saída de Matheus. Minha esperança é que ele se lembrasse de toda a história, uma vez que ele estava presente na época.
Cansado de esperar em pé, fui sentar-me próximo à mangueira, que era circundada por bancos em formato de meias luas opostas umas às outras (havia interrupções para que fosse possível atravessar-lhes sem que fosse passando por cima) e peguei meu Memórias Póstumas de Brás Cubas na bolsa.
Era evidente que eu não era capaz de outra coisa senão folhear a obra.
Ao ver Matheus trespassar a porta senti enorme impulso de correr e envolver-me em seus braços. Ele, porém, estava rodeado de muitos de seus amigos e eu não quis "causar".
"Matheus!" Eu gritei. Minha voz saiu rouca e quase anunciou a iminente cascata em meus olhos.
Ele estava como sempre: no meio da galera, seu cabelo loiro completamente desgrenhado e sua fala exagerada era seguida de gestos duros. Matheus ouviu e me procurou por alguns segundos até me encontrar, não num banco, mas aos pés da árvore. Ele acenou e eu devolvi. Contrariamente ao que eu planejava, foram todos até mim.
Me vi em uma situação que beirava a fuga desenfreada. Muito me assustava pensar que Danillo poderia ter me reconhecido. Essa claramente não era uma hora para ficar rodeado de garotos barulhentos.
"O campeonato de boxe vai ser mês que vem, já não tô mais aguentando esperar", disse Adrian.
Adrian era um garoto baixinho quando comparado aos outros ao seu redor. Seu corpo esguio passava despercebido pelos olhos dos não-espectadores do clube de boxe da Escola Homero.
"Eu já falei, a medalha é minha!", Matheus disse convicto. Sua presunção era gritante.
"Matheus... Vamos à biblioteca?", gaguejei. Minhas mãos suavam muito e eu, vez ou outra as friccionava contra a calça.
"Iih, qual é, pivete, vai ler agora?", disse Adrian.
"É algo sério...", eu pensei em inventar desculpas, mas Adrian foi mais rápido.
"Tava de zoação. Vão lá, crianças. Camisinha, hein?!", fez um olhar 43 e sorriu com o canto da boca.
Ele, Adrian, era conhecido não somente pela força no boxe, mas também pelas piadas fora de hora. Pontinho para Adrian, ele "acertou". Ao invés de irmos à biblioteca, estávamos indo para a casa de Matheus, pois a minha estava vazia.
"Então... Por que estamos indo para minha casa?"
"Eu não queria falar sobre isso no caminho", minha voz estava, desde o indesejável encontro, embargada.
"'Cê' quer ir comigo no cinema amanhã?", ele me fez a pergunta de maneira relaxada.
Ele também não parecia perceber toda a tensão em mim. Ou talvez estivesse ignorado, já que eu lhe disse para conversarmos sobre aquilo somente em sua casa. Com sua mente desvairada eu poderia esperar qualquer coisa.
"Humm... Eu não sei".
"Os caras já assistiram e, vez ou outra, os filhos da puta soltam spoiler. Vamos, tu vai gostar. Tu já assistiu filme da Marvel, né?".
Eu agora fingia sua descontração. Me passava pela cabeça as palavras de Sra. Dalva, minha professora de artes do 6° ano. "Estufe o peitoral, fique reto; finja confiança até obtê-la". Raramente pus em prática tais palavras, mas não me importei; fiz.
"Na verdade, não. Nunca vi filmes da Marvel. Mas não gosto dos quadrinhos".
"Mas o quê?".
Pouco tempo depois estávamos ambos andando balançando os braços, 'largados' e descontraídos.
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Going Under
RomanceKássio é um garoto louco por livros, estava no 1º ano do ensino médio e tinha 15 anos quando teve sua vida marcada pela morte de seu pai e por um namoro que deu errado. Ainda na mesma escola e passados dois anos, seu maior pesadelo volta a assombrá...