Mordida

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Tampo minha boca com as mãos na esperança que a coisa lá fora passe direto por minha porta e siga seu caminho.

Consigo ouvir o arrastar de algo, lento, acompanhado de um ruído quase que animal. Prendo a respiração, mas isso não evita que lágrimas de medo desçam por meus olhos. O que quer que seja seguiu seu caminho e desabo a chorar sentada no chão.  Escuto gritos vindo da rua, mas deve ser tarde demais para ajudar.

e continuo sentada encarando o chão.

Não sei quanto tempo fiquei assim, decidindo o que fazer. Sei que o sol estava bem alto quando decidi levantar e fazer um inventário do que tinha na cozinha. Precisava me mexer, e isso foi a única coisa que consegui pensar. Comida. A sorte foi que eu tinha ido ao supermercado no dia anterior, então tinha bastante coisa. Mas não ia durar para sempre.

Eu tinha comida para 1 mês, mas economizando poderia durar até o dobro. Por sorte o prédio usava energia solar, e a água vinha de um poço próximo, então estava segura por um tempo. Mesmo que o mundo lá fora não existisse mais como antes, eu poderia ficar aqui até decidir o que fazer.

O número de monstros lá fora tinha triplicado, a porta do prédio parecia estar trancada, então como essas coisas estão aqui dentro também?

Me pergunto se há sobreviventes no prédio, mas não parece nada seguro sair daqui no momento. Melhor eu concentrar em encontrar algo para me defender, e montar uma mochila com o necessário caso eu precise fugir correndo.

Passei as horas seguintes arrumando uma mochila de emergência. Coloquei tudo que entendi como essencial, e ainda assim a bolsa não ficou pesada. Perfeito!

Agora precisava de uma arma. Olhei ao redor e a única coisa que chamou minha atenção foi um taco da Arlequina que usei no Halloween. Estava jogado em um cesto com outros adereços e lembranças. Era de uma madeira forte, bem firme e longo.

Tudo pronto para o caso de eu precisar fugir, agora vou comer alguma coisa e ler um livro, já que a Internet e a tv não funcionam. Nem o mundo, para sermos sincero. Aposto que a anarquia tomou de conta.

Sem notar a passagem do tempo escuto uma batida na porta.

- Alice? Você tá ai? Sou eu, Michael.

Corri tropeçando em tudo pela frente e abri a porta. Ele entrou com o braço todo ensanguentado e tranquei a porta. Michael é um conhecido do trabalho que faz todo tipo de serviço pra se virar, nem sabia que ele tinha meu endereço.

- O que aconteceu com você? O que é esse sangue todo? Como você chegou ao meu apartamento?

Os olhos castanhos dele me encararam de uma forma cansada, seu cabelo loiro estava cheio de terra e bagunçado, seu peito magro arfava ruidosamente, parecia estar quase em estado de choque quando me respondeu:

- Eu estava trabalhando em um bar aqui perto quando essa loucura estourou. Consegui fugir por pouco, morderam o meu braço mas consegui sair. Como sua casa era mais perto resolvi vir pra cá. Eu ajudava nos Recursos Humanos, então é claro que sei onde todo mundo mora.

- Como essas coisas não te pegaram pelo caminho?

- Eles são atraídos pelo som. Então eu jogava uma pedra e direcionava a atenção deles pro outro lado enquanto corria. E também quando eles pegavam alguém dava pra fugir. A portaria está trancada, mas a entrada do estacionamento estava aberta, acredito que algum morador esqueceu de fechar ao fugir correndo daqui. Não se preocupa que fechei a entrada quando passei. Em alguns corredores tem mais desses mordedores, mas consegui desviar e chegar aqui.

A ferida dele estava bem feia. Ele não reclamou quando precisei limpar, enfaixei bem e ficamos conversando sobre tudo que estava acontecendo até anoitecer. Eu não liguei as luzes para não chamar atenção, comemos sob a luz do luar da varanda e decidimos ir dormir.

Ele estava com um pouco de febre, mas acho que é algo normal depois de uma ferida tão feia. Pedi que ele fosse dormir na minha cama para descansar melhor, mas recusou. Falou que dormiria no sofá, para o caso de alguma emergência.

Fui para o quarto e logo cai no sono. Acordei no outro dia antes do despertador, de novo. Agora meu celular servia apenas para isso. Levantei, e ao abrir a porta me deparo com o maior pesadelo de todos.

Será se ainda estou dormindo?

Amanhecer do ApocalipseOnde histórias criam vida. Descubra agora