Sobrevivência

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Chegou o dia que vou ter que sair de casa. Estou com medo? Sim. Mas agora que sei que a mordida não tem efeito sobre mim posso arriscar mais. Ainda posso morrer, eu sei, mas não há outra opção.

Não toquei na comida que guardei na mochila de emergência: enlatados e alimentos não perecíveis. O meu bastão está ao lado. Tudo está empoeirado, mas não vejo como um pouco de pó possa vir atrapalhar minha missão. Peguei uma daquelas fortes sacolas de supermercado e enfiei na bolsa, irei precisar para pegar os mantimentos.

Eu sabia que a comida eventualmente iria acabar, então passei as semanas planejando o que fazer. Fiquei observando a rua, a movimentação deles, o que os atraia, estudei minuciosamente cada detalhe. As vezes aparecia alguém tentando fugir, mas sempre eram pegos, o que aumentou muito o número deles e impossibilitou uma saída ao exterior. Era como uma muralha de canibais, não tinha como sair.

De vez em quando eu ouvia um deles passando pelo corredor, mas como não ouviam nada daqui acabavam passando direto.

O condomínio era ainda a minha melhor opção, sair daqui seria suicídio. Pelo menos agora. E pela frequência de ruídos deve ter no máximo 1 ou 2 nesse andar. Eu vou vasculhar os apartamentos e voltar pra cá. Talvez encontre alguém vivo, o que sinceramente me traz mais medo do que os mortos. Não existe mais leis, todos podem fazer o que quiser. Inclusive coisas bem ruins.

Sempre fui solitária, e vou preferir continuar assim. Se confiar nos tempos antigos era algo arriscado, quem dirá agora que os mortos mandam.

Peguei a mochila, meu bastão, e coloquei o ouvido na porta.

Silêncio.

Devem ter caído nas escadas, vou aproveitar essa chance e tentar ir no vizinho. O 104 já está comprometido. Eu duvido que aquela zumbi tenha conseguido abrir a porta, então vou tentar o 106.

Abri a porta devagar, havia rastros de sangue e tudo parecia abandonado. Nenhum deles estava a vista e fui me aproximando da porta. Quando cheguei ao 106 fiz o mesmo da vez passada e bati na porta, leve, mas o suficiente pra ser ouvida.

Nenhuma resposta. Coloquei a mão na maçaneta e já estava abrindo a porta quando sinto dentes no meu ombro. Era a velha do 104. Droga! Eu não chequei a porta dela antes de vir até aqui. Parece que alguém teve a mesma ideia que eu e deixou ela sair.

A joguei com toda a força contra as janelas que compunham a parede oposta as portas, quebrando o vidro. O impacto fez com que ela largasse a boca do meu ombro, aproveitei a oportunidade para girar o tronco e a empurrar contra a janela. Ela era uma idosa de 50 kilos, foi até fácil.

O problema foi que o barulho atraiu mais deles, eu conseguia ouvi-los apesar de ainda não ver ninguém.

Me joguei contra a porta que estava destrancada e a fechei atrás de mim. O som lá fora estava ficando cada vez mais alto, sangue não parava de escorrer pelo meu braço e pingar no tapete.

Parecia ter passado uma eternidade até os ruídos desaparecerem. Fui até a cozinha e peguei um pano, segurei contra a mordida e passei a observar o local.

Os cômodos estavam no mesmo lugar que o meu, mas tinha um fedor horrível. Eu já estava acostumada ao cheiro ruim, mas isso era de outro mundo, muito forte.

Tentei localizar a fonte do odor podre, parecia como se um gambá tivesse morrido dentro de uma cesta de restos de comida.

Amarrei uma flanela que estava perto no rosto e fui buscar suprimentos pela casa. Mas ao abrir a suíte do apartamento descobri a fonte do mau cheiro. Minhas pernas cederam e cai com tudo no chão, não estava preparada para ver aquilo. Não ainda.

Amanhecer do ApocalipseOnde histórias criam vida. Descubra agora