Capítulo VIII

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Se o seu filho realmente estivesse usando as duas moças, faria o seu dever como a mulher racional que era de avisá-las para que mantivessem distância do seu filho, ainda que lhe doesse a alma ter que reconhecer que Rubião se tornava a cada dia uma pessoa ainda mais desprezível. Mas se tudo isso fosse um mero engano, então seria obrigada a reconhecer que essa menina, Flávia, poderia ser a luz no fim do túnel que o seu filho tanto necessitava.

— E assim espero que seja, um engano. — Sussurrou, com o coração apertado

...

Na intendência, Rubião se levantou outra vez de sua mesa e caminhou até a janela, vendo o movimento da taverna por trás da cortina. Sentia-se um completo e patético bobo da corte ao necessitar esconder-se em seu próprio castelo para vigiar a cidade pelo simples fato de que a sua noiva odiava a ideia de ter os seus olhos atentos sobre ela —sim, noiva, mesmo que não tivesse feito oficialmente o pedido, Flávia era sua noiva e ninguém poderia contestá-lo —. Sacudindo a cabeça, Rubião posicionou a sua luneta em seus olhos novamente e, constatando que tudo parecia seguir em ordem, afastou-se da janela. No céu o Sol já começava a anunciar a chegada da noite, o que indicava que finalmente poderia ir até Flávia sem correr o risco de encontrar a sua bela fera desejando trucidá-lo por não a deixar trabalhar.

— Jamais pensei que desejaria casar-me com uma fera. — Rubião resmungou, guardando os papéis e o ouro recolhido como imposto naquele dia

Mas por aquela fera valia a pena correr riscos, Rubião pondera, sem conter o sorriso. Poderia ser gravemente ferido e tivesse os beijos daquela fera, se pudesse sentir o seu perfume durante todo o tempo. Decerto que sim, trocaria arranhões por beijos e seria extremamente feliz. Ouvindo cochichos de seus dragões do lado de fora da sua sala, Rubião deixou o que estava fazendo enquanto se aproximou da porta e a abriu, assustando os guardas que se calam e ajeitam a postura, atentos ao intendente. "Vivem de mexericos" Rubião pensou, irritado. Encarando os guardas que ali estavam, Rubião manteve-se sério.

— Decerto que Vila Rica demanda muito pouco trabalho. Até mesmo os senhores possuem tempo para mexericos inúteis. — Comentou, com ironia

— Perdão, senhor! — Os guardas se manifestaram em uníssono

— O que tanto os distraía? Vamos, também quero saber. — Rubião questionou, evidentemente irritado

— Soubemos que Virgínia, a bordelenga, regressou para a cidade, senhor. Está machucada, decerto a agrediram. — Um dos guardas manifestou-se, pegando Rubião de surpresa

— E o que mais souberam? — Rubião questionou, esforçando-se para aparentar desinteresse

— Nada, senhor. Somente que já está de volta para o bordel. — Outro guarda respondeu e Rubião assentiu

— Voltem ao trabalho! — Rubião ordenou, retornando para a sua sala

Após fechar a porta atrás de si, Rubião caminhou em direção à sua mesa, inquieto. A voz de Flávia ecoava em sua mente e questionava-se se deveria visitá-la, averiguar-se do seu estado de saúde. "Ora, por que devo ter consideração por essa mulher quando a própria me abandonou logo após o meu nascimento?" Rubião se questionou, atordoado. Em contrapartida, lembrava-se de como a encontraram próximo à estrada, desfalecida e ensanguentada, com múltiplos hematomas e indícios de agressão. Lembrava-se de como o seu estado era delicado, do risco de morte que a mulher correu e de como o seu sangue foi necessário. Lembrava-se, especialmente, de como não havia ficado imune ao vê-la desacordada à beira da estrada. Agora ela estava de volta para o bordel, como se nada tivesse acontecido... decerto havia tido uma melhora nítida.

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