Capítulo I

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- Quem é a senhorita e o que faz nessa mata com roupas tão indecorosas? Por acaso não tem pai ou marido que lhe ensine a se portar como uma dama?

...

Flávia acreditava que a sua irritação não poderia ficar maior, mas aquele homem conseguiu tirá-la do sério. "Portar como uma dama"? Isso só poderia ser uma piada. "Roupas tão indecorosas"? Em que ano esse infeliz pensa que está? Na idade média?

- Além de babaca você é um machista! - Flávia retrucou, com o dedo indicador em riste - Que fique bem claro, seu otário, eu não preciso de nenhum homem para saber como me portar ou como me vestir, muito menos que um homem truculento como você venha querer me ensinar algo.

Rubião estava assustado, para não dizer ultrajado. Ele não sabia o que era "babaca", "otário" e muito menos "machista", mas tinha certeza de que ela não lhe proferia elogios, especialmente pelo olhar mortal que lhe dirigia e pelo dedo que, mesmo com as mãos seguradas pelo homem, lhe apontava ferozmente.

Apesar da escuridão da mata, a proximidade com que estavam e alguns raios de luz da lua que penetravam entre as árvores permitiram a Rubião que seus olhos descobrissem mais detalhes no rosto daquela mulher. Seus olhos de tom escuro - quase cobertos por alguns fios de cabelo que caiam sobre a sua testa - e que brilhavam com ira enquanto proferiam impropérios a ele. A pele alva, o nariz fino e arrebitado, os lábios carnudos, rosados e extremamente convidativos que se moviam à medida que a mulher seguia-o acusando com palavras nunca escutadas por aquele homem tão estudado.

Rubião nunca, em toda a sua vida, vira uma dama tão bela. Nem mesmo Rosa, que o fizera pensar ser a mais bela da sociedade de Vila Rica, possuía traços tão delicados e formosos como aquela desconhecida. "Um rosto esculpido pela própria Afrodite" ele pensou. Como uma mulher com uma beleza tão singular poderia ser tão arisca, como as feras que habitavam aquela floresta?

- Para alguém tão bela, a senhorita é extremamente mal-educada. Alguém precisa lhe ensinar modos, bem como dar roupas novas que cubram o que não deve exibir por aí. - Rubião retrucou, em um tom de voz mais alto do que gostaria

Inconscientemente, os olhos dele percorreram o corpo daquela desconhecida. Definitivamente aquelas não eram roupas de uma mulher direita, jamais havia visto trajes tão curtos e justos. Ela usava calça... mas calça não era um traje masculino? Por mais que ninguém utilizasse calças tão justas, ainda assim era um traje exclusivo para os homens. Além do mais, os braços e boa parte da barriga estavam de fora, exibindo mais partes do corpo e curvas da mulher do que se deveria.

Não demorou para que Rubião notasse a maneira como seus olhos percorreram cada pedaço exposto daquela pele, causando um leve rubor em seu rosto ao constatar sua inconveniência. Mas ele não foi o único que percebeu o caminho que seus olhos percorreram. Aproveitando a sua rápida distração, ela soltou uma das suas mãos e deu-lhe outro tapa.

- Você é um safado! - Gritou - Me derrubou, quase me machucou, me ofendeu e ofendeu às minhas roupas, agora tá me olhando desse jeito... o que mais vai fazer? Seu próximo passo vai ser abusar de mim? Encoste um dedo e eu acabo com você, está me ouvindo?

O que estava acontecendo com Dom Rubião? Os guardas se perguntavam enquanto se aproximavam, abismados, vendo o intendente ser agredido verbalmente e fisicamente por uma mulher, sem fazer absolutamente nada. Já ele estava imóvel, em silêncio, completamente sem palavras pela audácia da mulher e, ao mesmo tempo, impressionado por tamanha coragem - ou imprudência - vindo da mesma, que estava sozinha na floresta e, portanto, indefesa.

- Contenha-se, senhorita, ou será presa por desacato ao intendente da coroa portuguesa! - Coronel Tolentino interveio, ao ouvir os gritos da moça aproximando-se com o grupo

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