Prólogo - Coney Island

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Violet estava sentada em um banco observando os mais novos irem e voltarem da praia. Ninguém mais vai ao shopping? Ela se perguntou. Quando ela era jovem aquele era o lugar. E então ela se distraiu pensando no passado, pensando nele.
Ela e Edmund se conheceram na escola. E duas pessoas não poderiam ser mais diferentes. Era o início dos anos noventa e a escola era dividida entre panelinhas, afinal, os filmes tiravam aquilo de algum lugar. E Violet e Edmund existiam em mundos completamente distintos. Ele era o astro do time de futebol americano, e como tal desfilava pelos corredores da escola como se fosse rei, em seu casaco do time, cercado pelos seus súditos, colegas e cheerleaders. Único filho homem do dono da famosa fábrica de biscoitos Bridgerton, que emprega praticamente todos os moradores de Aubrey Hall. Ele era mais que o rei da escola, ele era o príncipe da cidade. Era fácil dizer que Aubrey Hall girava em torno da fábrica e da universidade Rokesby, cuja a família Bridgerton foi uma das fundadoras séculos atrás. Já Violet era a filha da filha adolescente dos Ledger, que ficou grávida no último ano da escola, teve a menina e deu no pé, estando sabe Deus onde. Todo mundo sempre olhou pra ela com pena ou desdém. Ou os dois.
E não ajudou o fato de que na adolescência, Violet não quis ser umas das animadoras de torcida existindo em torno do time de futebol. Não, ela pintava os cabelos de preto e caminhava pela cidade com sua camiseta do Nirvana e seus coturnos enormes, meia arrastão e um péssimo delineado.
Então ninguém ficou mais surpresa do que ela quando Edmund apareceu no pequeno café da sua avó em um dia de chuva e perguntou se era tudo bem ele ficar ali. Ou no fato de que, depois que ela serviu a ele uma xícara de chocolate quente e foi para o canto do balcão, ele começou a puxar assunto sobre música. Como ele conhecia todas as músicas de Radiohead e Alice in Chains? Ela ficou surpresa porque Edmund parecia mais do que ela esperava (ou seja, ia além do seu julgamento superficial) e ele pareceu perceber aquilo e sorriu. Ela se odiou por achar que ele tinha um sorriso bonito, ele não era o tipo dela. Mas então, antes de ir embora, ele prometeu que faria um mixtape para ela com uma banda nova chamada Pearl Jam, que ela precisava escutar, pois era incrível.
Ela, no entanto, jamais esperaria que ele falasse com ela, no dia seguinte, na escola. Ou que realmente faria um mixtape, e na fita ele escreveria um versinho sobre ela ser a menina mais irada da escola. E claro, ela precisou retribuir a gentileza, fazendo uma mixtape para ele. Ela jamais diria que aquilo viraria algo. Que ela correria todos os dias para a escola pensando se encontraria uma fita nova em seu armário. Mas era um jogo secreto entre eles. Nenhum dos dois conversou pessoalmente além de pelas músicas. Até Edmund a convidar para assistir o jogo dele… Quando Violet deu por si, estava apaixonada pelo garoto de ouro da Aubrey High, sentada na mesa dos populares enquanto ele mexia nas tachinhas de sua pulseira.
Mas antes da formatura, Violet descobriu que estava grávida. Edmund havia sido seu primeiro namorado sério, e eles estavam juntos há dois anos. Ainda assim, ela tinha dezessete. Violet se lembrava até o dia atual de como ela se sentou no banheiro do café e teve uma crise histérica. Sua primeira reação foi rir. Afinal, uma fruta não cai tão longe assim do pé. Mas ela não seria a mãe dela. Aquele bebe teria a ela, não importava o que acontecesse, ela jamais o abandonaria.
No entanto, Edmund também não era como seu pai. Ele ficou ao lado dela e disse que sempre soube que ela seria a mãe dos filhos dele. Que achava que ainda demoraria um pouco, mas se o filho deles quis ser apressadinho, tudo bem. Ele daria um jeito. Ele foi até os avós de Violet e disse que faria o certo. Que assumiria ela e o bebê. E enquanto suas colegas se preparam para a faculdade, Violet Ledger se tornou Violet Bridgerton e em setembro tiveram seu bebe: Anthony. E eles eram felizes. Tão felizes que menos de um ano depois veio o segundo: Benedict. Foi de Edmund a ideia de batizar os filhos alfabeticamente. Os dois eram apaixonados e queriam uma família grande, ela sempre odiou ser filha única e ele cresceu cercado de irmãs. Quando os pais de Edmund morreram, num acidente de carro dois anos depois do nascimento de Benedict, Violet estava grávida do terceiro: Colin. E como as duas irmãs de Edmund não queriam nada a ver com a fábrica, ele ficou com ela e assumiu. Foi quando as coisas começaram a mudar. Eles tiveram Daphne logo depois de Colin e Violet achou que era aquilo. Sua família estava completa.
Seus avós morreram um pouco depois que Daphne nasceu, e ela herdou o café, mas com quatro crianças não tinha muito tempo para nada além deles, então alugou o local. Um dia ela assumiria o café e o transformaria no seu jeito. Criar os filhos também era um trabalho. Pelo menos era repetia aquilo sempre para si mesma, afinal, o que era uma vida de realizações? Ela estava realizada.
Edmund passou a estar sempre ocupado com a fábrica. Antes, quando ainda estava auxiliando pai, trabalhava em horários regulares. Agora, ele saía quando os  mais novos acordavam e chega em casa de noite, exausto. Violet tentava que as crianças não o perturbassem, mas eram todos muito apaixonados pelo pai, e ele sempre se esforçava para dar um pouco de atenção para eles.
No entanto, a vida dos dois caiu numa rotina. Ela ia com ele nos jantares de negócios, mas eles já não saíam para encontros como no início. Violet nunca soube quando os coturnos viraram scarpins mas viraram. Sexo, que antes era algo natural e diario para eles se tornou automatico e escasso. Edmund já não a procurava mais e ela honestamente, não se importava.
Bom, não até começarem os boatos. A primeira vez que ela escutou aquilo na comissão de pais da escola fundamental e ficou completamente sem reação. Edmund jamais a trairia. Certo?
Porém, o problema de um boato é que quando uma intriga é plantada, se não for arrancada logo, ela cresce. Germina. E ela não teve a coragem de arrancar de início, hoje ela reconhece isso, então eles começaram a brigar. Pequenas discussões escalonaram a ponto dela se perguntar se ele estava com ela apenas porque era educado demais para deixá-la. As brigas entre eles aumentaram a ponto de um dia Benedict perguntar por que eles não se amavam mais. Mas ela amava Edmund. E esse era o problema, se ela não o amasse, tudo seria muito mais fácil. Quando finalmente o confrontou, Edmund negou o caso, mas admitiu o interesse na secretaria. Disse que não fez nada porque amava Violet e as crianças e a família. Mas talvez estivesse se apaixonando pela a Mindy Cooper. Só que ela não queria ser a nuvem cinza que transformaria o céu azul dele. Então eles resolveram se separar. O que durou pouco, visto que dois meses depois ela descobriu que estava grávida. De gêmeas. Ela ficou tão surpresa e incrivelmente feliz! Violet caminhou até o escritório dele reunindo toda coragem que possuía, tinha todo um discurso ensaiado. Muito parecido com o que ela tinha para a primeira vez que foi contar que estava grávida.
Mas mais uma vez, Edmund ficou exultante. Ele chorou. Abraçou a barriga dela. Pediu desculpas. Pediu para tentar de novo. E eles tentaram. E foram felizes de novo por um tempo. Eloise e Francesca nasceram e tudo foi indo bem… menos ela. Violet via que Edmund tentava o seu melhor, mas ela o entendia agora. Ela também o amava, amava a família, mas… tinha esse mas aí. Aquela velha pergunta a assombrava: o que era ter uma vida realizada? Ela era realizada com sua vida? E a verdade é que às vezes ela se ressentia um pouco deles. E se odiava por aquilo.
Foi quando os negócios começaram a afundar. Afundar tanto que Edmund passou a ficar irritadiço, começou a implicar com pequenas coisas em casa, chamando de desperdício. Implicava com as crianças pequenas quebrando giz de cera, ou com a mesada que dava aos mais velhos. E quando ela descobriu que estava grávida de novo… Foi a primeira vez que ele não ficou feliz. Ele começou a falar de números. Quanto era caro mandar um filho pra faculdade. Imagina seis! Sete agora. Eles não poderiam ter cometido aquele deslize. Ele saiu de casa e voltou vasectomizado. Não teriam mais filhos. Não que ela quisesse também, mas ela achou que deveria pelo menos ter sido consultada. E aquilo virou uma briga. Na verdade, tudo voltou a virar briga. Os três mais velhos, Anthony, Benedict e Colin, que já estavam na adolescência pareciam sofrer mais com aquilo. Anthony fugia de casa. Passava quase todo o tempo com sua namorada. Colin tentava ajudar o pai. Controlava cada pequeno gasto da família. Ja Benedict, seu pequeno artistas, ficava sempre ao lado da mãe, garantindo que tudo ficaria bem. Quando ela descobriu que era mais um casal de gêmeos, ela não ficou animada. Quer dizer, ela ficou, mas já imaginou como aquilo seria recebido.
Edmund sentou no chão do quarto e chorou. Ela não sabia o que fazer. Violet não sabia se ele estava triste, irritado ou feliz, mas nunca o tinha visto chorar tanto. Ele se levantou depois de quase uma hora chorando e disse que daria uma volta. Voltou de madrugada, completamente bêbado. Aquilo durou até os sete meses da gravidez dos gêmeos, que seriam Gregory e Hyacinth ou Grace e Henry, dependendo da ordem de nascimento. Foi a primeira vez que ela escolheu os nomes sozinha. Ela teria quatro meninos e quatro meninas. Cada um dos seis filhos anteriores não recebeu nada além de amor quando veio ao mundo e ela garantiria que seria aquilo que os dois pequenos receberiam.
Mesmo que fosse só dela.
Edmund não pareceu surpreso quando chegou em casa e encontrou a mala dele feita. Ele pareceu resignado. Ele se desculpou com Violet, mas ela disse que ele deveria se desculpar com os filhos. O que não foi nada fácil. Aquele foi o início de uma grande rachadura na família
E foi assim que o casamento dos dois acabou. Pouco depois de completarem dezesseis anos de casados. Violet se viu com oito filhos e sozinha. Mas ela recomeçaria.
E assim ela o fez. Infelizmente, como todo divorcio, aquilo teve um impacto diferente em cada filho. Os que sofreram menos com a situação foram os dois últimos, que nasceram com os pais separados e nunca conheceram outra realidade. Mas os seus três primeiros… seu pequeno trio de bagunceiros? Aquilo tinha marcado e modificado cada um deles para sempre. Como eles se viam. Como se relacionavam uns com os outros e com a ideia do amor.
Essa era a maior tristeza de Violet  e Edmund. Eles nunca quiseram que os problemas e erros deles respingassem nos filhos, mas isso era quase impossível. Não que eles se falassem muito. Ou concordassem com certos aspectos das relações que ambos tinham com os filhos, mas nesse tópico eles concordavam.
Anthony fez quase o mesmo que os pais. Se casou assim que saiu do ensino médio, por mais que ela e Edmund tivessem implorado para que ele esperasse. Espere a faculdade filho. Deus, eles repetiram aquela frase como uma oração. Mas aos dezoito anos ele estava casado e feliz em sair de casa e começar sua família. Uma que segundo ele seria perfeita, já que eles jamais cometeriam os erros dos pais. E Violet e Edmund beberam até cair na noite do casamento. E dormiram juntos depois de um ano separados. E se arrependeram na manhã seguinte.
Benedict culpava o pai por tudo. Sua relação com Edmund degringolou de uma forma que Violet não sabia o que fazer e Edmund se resignou. Ele se mudou para Nova York, que era apenas duas horas de Aubrey Hall e ele começou a fazer sucesso rápido como artista plástico e não poderia querer um caminho mais diferente do Anthony. Enquanto o mais velho queria sua própria família, Benedict não queria relacionamento nenhum. Ele fugia de qualquer coisa que pudesse se parecer com compromisso.
E Colin. Colin queria consertar tudo… por algum tempo. Como um bom filho do meio, ele tentou mediar todas as situações, todas as relações: a dos pais, a dos irmãos, a dos pais com os irmãos. Ele tentou fazer o que os irmãos não fizeram: ficar na cidade. Seguir os passos do pai. Ajudar com os irmãos. Mas aquele não era o sonho dele e Violet sabia. No fundo ela achava que Edmund também sabia, mas como ele tinha perdido o Benedict, pôs suas expectativas em Colin. E graças ao filho, que inventou uma nova receita de biscoito, a fábrica voltou a ser um sucesso. Até a tragédia se abater sobre a família e todos reverem suas prioridades. Foi quando o Colin revelou que seu livro foi publicado, estava fazendo sucesso e ele tinha recebido uma proposta para transformá-lo em filme. E ele largou Aubrey Hall, a fábrica e tudo para trás e nunca mais voltou.
Violet ainda estava sentada no banco da praia, enquanto o vento chicoteava seu rosto, pensando sobre tudo que tinha acontecido nos últimos anos. Hoje seria aniversário de trinta e um anos que ela e Edmund se casaram. Quinze anos de divórcio. E uma família que já não se reúne por completo há quase cinco anos. Ela viu Edmund se aproximar e sorriu quando ele fez uma careta ao perceber que ela também tinha se lembrando daquele mesmo banco que eles se ficavam, quando os tempos eram mais doces e se sentou ao seu lado.
— Está bastante quente para o início do outono. — Ele comentou. Os cabelos brancos na têmpora e nas laterais do cabelo dele lhe davam um charme especial. Ele continuava muito bonito, o seu Edmund.
— Bastante. — Ela concordou.
— Os gêmeos estão aqui?
— Não — Ela riu. — Estão naquela fase de passar todo e qualquer tempo livre com os amigos e fingirem que não tem casa. — Edmund sorriu.
— Colin me ligou ontem. Ele vai vir para cá em breve. — Violet sorriu.
— Estou sabendo.
— Claro que sabe. Você tem notícias do Benedict?
— A exposição dele foi um sucesso. Ele está muito animado. E talvez ele venha para cá ver o Colin. Daphne disse que tentará vir também, mas não consegue garantir. Mas virá no natal.
— Você vai fazer algo esse ano? — Ele perguntou.
— Pelas crianças. Talvez Colin se anime a voltar no natal. Você acha que essa namorada é séria?
— Bom, ele vai trazer a garota? Nunca fomos apresentados para ninguém desde que se mudou. Ah, Hyacinth me pediu um estágio.
— Um estágio? — Ele levantou uma sobrancelha.
— Ela disse que quer assumir a fábrica quando for mais velha. — Os dois riram. — Ela é sua cópia fiel.
— Acredite, ela me lembra você em cada ação.
Os dois ficaram em silêncio por mais um tempo, vendo os banhistas irem e virem e Violet se perguntou exatamente em que ponto o relacionamento dos dois se perdeu. Edmund não se casou de novo, mesmo que tenha tido uma namorada ou outra. Violet teve apenas um relacionamento, poucos anos atrás, que também não durou muito. Um vendedor de algodão doce passou e Edmund comprou dois. Ele entrou o roxo para ela e ficou com o azul.
— Feliz 31 anos. — Ele falou por fim.
—  Feliz 31 anos. — Ela concordou e sorriu e os dois comeram o algodão doce em silêncio.

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