capítulo 1

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Alice:

Abro os meus olhos ao escutar a discussão de meus pais na sala, há algum tempo isso vem acontecendo. Olho para o relógio e vejo que são 2 horas da manhã.

Como tenho feito nos últimos dias, saio da cama de fininho e vou ao topo da escada escutar a conversa deles, escondido. Vejo meu pai jogar seu paletó recém tirado no sofá e passar as mãos no cabelo com raiva. Ele não jantou conosco essa noite, então deve ter acabado de chegar.

- Já discutimos sobre isso Paula! - Ele  fala com os dentes cerrados para ela. - O juiz já decidiu, eu só estou aqui ainda por que você quer que eu conte a ela.

- Foi você que decidiu ir embora, você que decidiu simplesmente nos deixar. Só quero que fique até contar a ela que não estaremos mais juntos, aí você pode fazer o que quiser da sua vida depois disso. Mas o que adianta você ficar aqui, se nem ao menos volta para casa a tempo de vê-la. Sai antes da menina acordar e volta depois que ela está na cama! Ela é a sua filha! - Ouço minha mãe gritar.

- Já decidimos tudo com o juiz, amanhã vou pegar os papéis que oficializa o nosso divórcio. Vou ficar com ela alguns fins de semana e pagar uma boa pensão. Vou dormir, venho depois da escola dela para contar e depois saio dessa casa. - meu pai diz e simplesmente pega sua maleta e seu paletó, vindo em direção a escada. Volto para o meu quarto rápido e me deito na cama esperando que ele entre no quarto e me de um beijo de boa noite. Como sempre fazia, ao menos antes das brigas com a mamãe começar.

Ouço seus passos e fecho meus olhos na tentativa de fingir que estou dormindo. Mas ele simplesmente passa reto pelo meu quarto e vai para o quarto de hóspedes. É bem fácil perceber que as coisas não estão bem, mesmo os dois fingindo que estão.

Não consigo dormir e quando o dia amanhece e mamãe entra no quarto para me chamar para a escola, vejo seu olhar vazio.

- Querida, hora de acordar pra escola. - Ela diz me balançando.

Não finjo estar dormindo, apenas a olho e percebo o quão triste mamãe está.

- Posso ficar em casa hoje com a senhora? - Pergunto baixinho.

Vejo seus olhos se amolecerem um pouco, e ela me dá um sorriso fraco.

- Pode sim querida, hoje você pode tudo. Dorme mais um pouco, daqui a pouco te chamo para o café da manhã. Seu pai deu uma saída mas logo vai estar aqui.

- Não quero dormir, vou ajudar você. Vamos fazer panquecas.- digo e ela sorri novamente.

- Panquecas? Temos uma mini chefe aqui? - Ela pergunta me fazendo cosquinha.

- Vamos mamãe, a minha eu quero com calda de chocolate. - Digo pulando da cama.

Não vou ficar triste, mamãe já está e se me ver assim vai ficar mais. Vou ficar feliz e fazer ela sorrir. Tudo irá ficar bem, papai só vai mudar de casa, mas ainda vai ser meu pai.

Vamos até a cozinha e rimos enquanto brincamos e cozinhamos. Falamos sobre a escola enquanto comemos e sobre os meus amigos. Depois do café, escovo os dentes e vamos pra sala ver TV, ficamos até o horário do almoço em silêncio, até que a porta da frente se abre e papai chega.

- O que Alice está fazendo aqui? Achei que ela estaria na escola. - Meu pai pergunta bravo a minha mãe.

- Ela quis ficar hoje e você disse que viria quando ela chegasse da escola.

- É, mas mudei de ideia. Vim mais cedo pra arrumar as minhas coisas e ... - Ele para de falar e me olha, por poucos segundos, antes de olhar de novo pra mamãe. - Eu ia deixar pra falar com ela outra hora, ou você mesmo pode dizer.

- Nós fizemos um acordo! - Mamãe fala brava e os dois acabam esquecendo que eu estou aqui. - Ia simplesmente pegar suas coisas e não dar nenhuma explicação.

- Ela é uma criança Paula! Não precisa de explicação sobre o que os adultos fazem. - Diz e simplesmente vira as costas subindo as escadas.

Vejo mamãe paralisada no mesmo lugar, enquanto uma lágrima escorre por seu rosto. Saio do sofá e vou até ela pegando em sua mão.

- Mamãe, quer regar o jardim? - pergunto, pois sei que ela adora fazer isso. Ficar tranquila enquanto cuida das plantas.

- Alice... Eu... O que quer comer de almoço querida? - Ela pergunta se abaixando e forçando um sorriso em seu rosto.

Não consigo responder, na mesma hora papai desce as escadas com duas malas. Ele arrumou muito rápido, ou elas já estavam prontas.

Ele não me olha, não olha para mamãe. Apenas as arrasta até a porta de casa e a abre colocando as malas para fora. Mas antes de sair ele para um pouco e me olha.

Ele solta as malas e vem até mim devagar se ajoelhando em minha frente.

- Alice, papai vai morar em um lugar diferente agora e a gente vai se ver menos. Sabe que o papai te ama, não é? - ele pergunta e eu só consigo acenar com a cabeça.

Sim, papai me ama independente de tudo.

- Não quero que fique brava comigo, semana que vem você virá passar o final de semana com o papai e vai dormir na sua nova casa, agora vai ter duas casas. Não é legal? - De novo apenas aceno com a cabeça e ele respira. - Bom, então vou indo.

Ele se vira e vai pegar as malas na porta. Quando ele sai, apenas ouço o clique da porta se fechando. Olho para a minha mãe e ela olha para porta, mas é como se não a visse.

Olho em direção a cozinha e lembro do meu presente que eu dei ao papai semana passada, está no balcão da cozinha, no mesmo lugar que ele deixou após eu entregar e ele olhar um pouco.

Corro até lá e pego o cartão e o desenho que fiz para ele. Mamãe não está mais onde estava então eu abro a porta da frente e corro até o carro do papai. Onde ele conversa com alguém ao telefone.

- Sim querida, já estou indo para casa. Já peguei minhas coisas, não precisa se preocupar. - ouço ele falar, mas ele não diz mais nada quando me vê. - Alice? O que foi querida. - Diz tampando o microfone de seu celular.

- você esqueceu meu presente papai. É pra levar pra casa nova, pra lembrar de mim. - digo estendendo o cartão e o desenho com a nossa família para ele.

- ah sim querida, muito obrigada. - ele pega e me sorri. - melhor você entrar, papai precisa ir.

- tchau papai. - falo acenando pra ele, enquanto o vejo entrar no carro e jogar meu cartão e desenho no banco de trás. Papai da a ré em seu carro e dirige para longe.

Volto para dentro e vou procurar mamãe, também a encontro no telefone.

- sim Janete, pode me colocar em mais turnos por favor. A noite também, sem problemas... Vou arranjar alguém para cuidar dela, não se preocupe, vou precisar desse dinheiro. - volto a sala para não atrapalhar mamãe.

Ela vai ficar ocupada, acho que vou ter que cuidar do jardim sozinha.

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