— Eu entregaria sua cabeça em uma bandeja. Qual a dúvida? — ela disse, jogando o corpo contra o colchão novamente.
A criatura gargalhou do outro lado do quarto.
— Você não conseguiria — ele retorquiu, empurrando a grossa cortina que arrastou sob o chão de madeira. — Não agora.
Noelle fitou o semblante passivo da criatura, poderia ser apenas o sono matinal, mas ela não estava disposta a morder a isca de suas provocações. Já estava acostumada a lidar, ou ao mesmo ignorar as palavras da criatura.
Noelle suspirou de olhos fechados.
— Porque está aqui, Zepar? Achei tinha ido embora de vez.
A alta silhueta caminhou lentamente até a frente da penteadeira, o espelho refletiu as costas tingidas de preto e seus desengrenhados cabelos albinos. Suas asas que lhe desciam pelos ombros, o envolvendo como um fino manto de carne, branco como neve. Seus chifres negros eram curvados para o alto estavam envoltos pelas mechas brancas bagunçadas, úmidos e grudados pela neve derretida. Noelle constatou que ele havia vindo voando, entretanto, havia algo diferente com ele. Algo em sua expressão a incomodava.
— É bom saber que contava os dias para me ver — ele disse, parando perto a sua cama.
— Contava os dias em que poderia ficar livre de você.
Um riso escapou de seus lábios.
— Assim você me magoa — ele disse após um breve suspiro, ficando em silencio momentaneamente. Seu olhar rolou lentamente para ela, observando o esparadrapo branco coberto pelas mechas escuras de seu cabelo tingido. — Sua testa... — seus dedos se moveram até ela, tocando com cuidado o local. — Dói?
Noelle negou com a cabeça.
— Não mais — ela lhe respondeu, olhando de relance a expressão melancólica em seu rosto. Era isso. Aquilo que a incomodava, aquela expressão...
Zepar estava preocupado?
Ele, um demônio, havia escapado do portal do Qliphoth por capricho, segundo ele mesmo havia lhe dito. Pelo tempo que conviveu com ele, Zepar mais se parecia com uma adolescente irritante do que um demônio vindo do submundo. Ele era birrento, convencido e sarcástico demais para seu gosto. Havia perdido as contas de quantas vezes havia o expulsado por invadir seu quarto no meio da noite. Apesar disso, com o tempo Noelle havia se habituada a lidar com um comportamento como aquele, afinal, ela pertencia aos Touros Negros. Noelle ainda se lembrava de seu inusitado primeiro encontro.
Mais de um ano havia se passado após o findar da guerra nas longínquas terras geladas de Spade e a ameaça dos irmãos Zogratis era apenas uma amarga memória. Noelle se lembrava bem do dia anterior a vinda do anunciado pelo Zogratis mais velho. O ataque de Lucius foi marcado pelo agrupamento de todos os habitantes de Clover em um único local, a capital. Apesar da árdua batalha, ainda haviam coisas a serem feitas, a primeira delas foi a ordem aos cavaleiros mágicos para prestar auxílio no retorno daquelas pessoas as suas respectivas cidades e vilarejos.
Noelle e Finral foram uns dos que atuaram diretamente no retorno dessas pessoas para casa. Em uma desses viagem, Noelle acabou se envolveu em um acidente. O feitiço que usava para locomover as pessoas havia desmanchado em pleno ar, levando algumas pessoas a despencar, se não fosse por Charmy que estava junto dela, uma dezena de civis teria se acidentado sob sua jurisdição. As pessoas envolvidas no ocorrido sequer cogitaram a ideia de culpa-la e rapidamente associaram o deslize ao eminente cansaço devido as inúmeras viagens que havia feito, entretanto, aquele não era o real motivo.. e Noelle sabia disso.
Não era cansaço. Em dado momento Noelle não conseguiu mais manter a forma de sua mana e isso a fez entrar em pânico, levando todos com ela. Noelle sentia como se um mar de transbordasse sob seus ombros, derramando em cascatas, pouco a pouco a inundado. O balde que antes ela usava para drenar sua mana de dentro para fora havia rachado e agora derramava por entre seus dedos descontroladamente. Na tentativa de esconder aquilo de Charmy, Noelle pediu para ser dispensada da tarefa, alegando estar cansada, como muito assumiram desaparecendo da vista dos demais durantes uma semana.
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Black Clover ▪︎ Hereditary
Fanfic"Um dos sentimentos mais intenso e confuso presente nos humanos? Eu diria que é o Amor." Dizem que os demônios amam brincar com esse sentimento, pois ele faz o mais orgulhoso coração se torna tímido e o mais alheio ficar confuso consigo mesmo ao faz...