Porto seguro.

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  A noite estava silenciosa. Exceto pelo trovão que cortara o céu nublado, anunciando a tempestade que viria. Logo as primeiras gotas começaram a cair, batendo nas janelas altas como mísseis fortes, impiedosos. Megan encarava-as através do vidro, fumando o terceiro cigarro seguido. Não conseguia dormir. Uma ansiedade crescendo dentro de si, sabendo que seu tempo escondida estava acabando. Não que a estivessem expulsando ou algo do tipo. Pelo contrário, todos pareciam cada vez mais acostumados com sua presença. Faria um mês desde que fugira. Um mês foragida, ainda com medo de sair na rua, medo de Peter estar rodeando o prédio, de ter descoberto sua localização, aguardando o momento certo de reivindicar o que achava ser sua propriedade.

   Havia conversado com Claire sobre quase tudo, conseguindo abrir-se de modo inédito. Contou-lhe o que sofria nas mãos do companheiro, em como não percebeu até ser tarde demais as ações mascaradas. Mostrou as marcas de cigarro nas coxas, nos braços. A cicatrizes de defesa. Os arroxeados que estavam quase desaparecendo na pele levemente bronzeada, imaculada em meio as tatuagens. Tinha exposto o que era e mesmo assim, recebera apoio, afeto.

  - Acordada?! – A voz de Chris lhe chegou aos ouvidos num sussurro.

  - Os trovões. Tenho medo. – A morena justificou-se, escondendo a outra parte da verdade. Desde sempre odiara os estrondos.

  - Eu também. – O rapaz confessou, dando alguns passos. Fitou o colchão sobre o tapete, praticamente intocado. – Gosto da chuva, mas sem esses malditos barulhos.

  - Sim... – Meg concordou, entendendo-o perfeitamente. – Cigarro? – Ofereceu, já acostumada com o gesto. Sem surpresa o viu aceitar.

  - Chá? – Cornell retribuiu, a vendo assentir com um sorriso. – Camomila ou hortelã?

  - Hortelã, por favor. – A jovem respondeu, observando-o rumar até a cozinha e resolvendo o seguir.

  Tudo estava escuro no cômodo, a única iluminação, vindo dos postes. Porém, mesmo assim, conseguia distinguir a silhueta do agora amigo. Sim. Achava que o podia chamar assim, junto a Claire, Dave, Kurt e Krist. Após o primeiro contanto, acabaram por se aproximar rapidamente. Parte disso, devido a permanência constante dele na casa. Praticamente não saía, e quando o fazia, era para o mercado ou algum bar, nunca se ausentando por um grande período. Dave, por conta do Nirvana, tinha muitos compromissos, a mesma situação da namorada, o que deixara a dupla restante tendo que conviver. As três semanas de convívio com Chris resultou no início de uma amizade sólida, engraçada e até cúmplice em certo ponto. Estarem juntos praticamente o dia todo, fez formar-se uma crescente afinidade, maior até que com os demais moradores.

  - Aqui. - Chris empurrou a caneca pela bancada, cuidadoso.

  - Obrigada. - Megan aspirou o aroma delicioso, antes de bebericar.

  - Sem açúcar. -  O moreno informou, orgulhoso, erguendo o próprio copo. - Nunca vou te perdoar por isso. - Brincou, em uma falsa carranca.

  - Não te obriguei a nada... - A jovem deu de ombros, divertida. - Só comentei que o açúcar tira o real gosto das ervas.

  -  Exato. - Cornell concordou. - Isso está fazendo com que meu gosto por doces diminua.

  - Que nada. - Meg sacudiu a cabeça em negação. - Hoje mesmo comemos sorvete, cookies e os marshmallows do Dave.

  - Detalhes. - O rapaz sorriu de lado, como uma criança arteira. Mesmo sem luz, conseguia ver os olhos espertos de Megan. Brilhavam um pouco mais a cada dia. Quem em sã consciência machucaria alguém tão... Especial. Não que desmerecesse as outras vítimas de violência doméstica, de abusos. É só que por conta da recente aproximação deles, das longas conversas no terraço, dos cigarros compartilhados... Dos sorrisos que se tornaram frequentes. Da gentileza e resguardo, da seriedade e piadas ácidas. Da companhia silenciosa e que se tornou necessária, desejada. Por ser apenas ela. Como poderiam tê-la quebrado e pisado em seu coração? Despedaçado suas esperanças, suas ambições? Não conseguia gerar a ideia de que lhe encostassem um dedo sequer. Seu sangue fervia nas veias, imaginando o que faria se encontrasse Peter por aí. Nunca fora de brigas, contudo, aquilo lhe tirava do sério de tal forma...

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