Enrolados

O (Nada) Fantástico Mundo de Yoongi

Maldita hora em que ele foi dizer que se identificava com a Wandinha!

Para começar, ele não estava falando sério. Estava sendo irônico. Claramente irônico. Ele já tinha deixado a adolescência há muito tempo. Era a porra de um adulto preso em um emprego simplório para bancar a faculdade, obviamente não estava falando sério quando comentou, durante uma sexta-feira chuvosa, que ele entendia muito bem o porquê da Wandinha ser tão mal-humorada, ranzinza e insuportável durante o tempo inteiro.

Mas seria esperar demais que Hoseok deixasse aquele comentário passar em branco, então, depois desse fatídico e lamentável episódio, sempre que Yoongi chega a pizzaria da família Jung, o idiota coloca Goo Goo Muck do The Cramps para tocar, claramente se divertindo com os olhares repletos de ódio que o Min lança em sua direção.

Yoongi poderia pestanejar o quanto quisesse. O idiota não iria desistir da sua "hilariante" piada nem se implorasse, nem se pagasse uma fortuna. Só de ver os olhares repletos de ódio do melhor amigo, já valia a pena.

Ele chegou a pizzaria as 19h30 e foi trocar de roupa, vestindo o uniforme de garçom. Assim que ele deixou o banheiro, percebeu que o seu amigo – e maldita hora que ele quis ser simpático com o novo vizinho do lado, há cerca de vinte anos antes – tinha colocado aquela música infernal para tocar novamente, em looping.

Embora não fosse muito bom em inglês, aquela música em questão tinha sido decorada por Hoseok.

—Desliga essa merda, se não quiser levar um soco no saco. — vociferou o Min irritadamente.

Céus, Hoseok sabia como ninguém ser irritante.

Ele apenas gargalhou, enquanto mudava de música e abriu um largo sorriso na direção do mais velho.

—Mas hyung, essa música é ótima!

Yoongi apenas o fulminou com o olhar, murmurando inúmeros palavrões. Como o local costumava ficar aberto até as cinco horas da madrugada, o movimento só começava a partir das nove ou dez horas, então ele aproveitava esse tempo para ficar escorado sobre o balcão, checando as suas redes sociais.

—Hobi eu não estou legal, dá para me deixar em paz pelo menos hoje? — praticamente suplicou.

Notando o olhar dele, o estudante de pedagogia balançou a cabeça em afirmação e se aproximou, descansando o rosto em seu antebraço enquanto encarava a pizzaria. Como era filho do dono, tinha nascido com um contrato embutido que o obrigava a trabalhar ali até se formar na faculdade.

—O que rolou?

—Eu acho que minha mãe ta namorando de novo. — ele não era um filho ciumento e narcisista que queria a mãe para si, o problema é que ela era uma mulher muito solitária e vivia pulando de relacionamento em relacionamento tentando preencher a carência emocional, o que eventualmente resultava em brigas de Yoongi com os seus "padrastos".

Ele queria que sua mãe fosse feliz. Mas que fosse com um homem bom, decente, de preferência que não tivesse nenhum vício, afinal, eles já tinham os próprios problemas para resolverem e não precisavam de mais um.

—Você deveria ficar feliz por ela. — disparou Hobi passando as mãos pelos cabelos.

—Como pode falar isso? Você está cansado de saber que minha mãe é um imã para cuzões bêbados, porra. Como eu posso ficar feliz por ela? Ela só se mete em furada, porra!

—Eu sei, Yoon, mas acho que você deveria ser mais otimista. E se dessa vez for diferente? E se ela tiver encontrado um cara que a ama de verdade?

—Se esse fosse o caso, eu ficaria feliz com toda certeza. Mas nunca é. Ela tem dedo podre para homem, a maior prova disso é o meu pai.

Hoseok se calou por um momento, o encarando. Ele meneou a cabeça afirmativamente, não querendo aprofundar o assunto, pois sabia o quanto era doloroso para o melhor amigo, então em vez disso, ele decidiu colocar uma música para distrair Yoongi dos problemas dele.

Assim que ele ligou a rádio, se arrependeu instantaneamente, já que a música que estava tocando era Bloody Mary - também relacionada a Wandinha graças a uma série infinita de edições no tiktok – ele fez uma careta, antes de se virar lentamente para encarar o melhor amigo e se deparar com uma expressão selvagem.

Fingindo tossir, Hoseok decidiu pular o balcão antes de ser seguido por um Yoongi profundamente irado que o xingava de todos os nomes possíveis e impossíveis.

(...)

O mundo particular de Yoongi era um porre interminável. Estava constantemente preocupado com sua mãe, o seu salário não era o suficiente para cobrir todos os seus gastos, era obrigado a aturar Jung Hoseok a noite inteira e para piorar a situação, ele ainda tinha que fazer o serviço do motoboy.

Yoongi sabia andar de moto e assim como todo adulto, tinha tirado a carteira de habilitação assim que completou a maioridade, porém, ele tirou primeiro a de moto porque era mais barata. Ele odiava motos e morria de medo de pilotá-las. Toda vez que era obrigado a subir em uma para entregar pizzas ele rezava mentalmente para não acabar tragicamente.

Ali estava ele, vestindo o uniforme e o boné do restaurante com uma expressão antipática. Ele realmente odiava fazer entregas.

Ele parou frente à residência, deixou a moto da família Jung e foi retirar as pizzas do compartimento. Em seguida, andou a passos lentos até a porta da residência e tocou a campainha, esperando que o cliente saísse.

Ele respirou fundo, encarando o chão por alguns segundos, até que a porta foi finalmente aberta.

—Entrega para o senhor Kim. — Yoongi ergueu a cabeça para fitar o cliente.

Taehyung abriu um largo sorriso na direção do motoboy, que apenas o fitou de volta, completamente inexpressivo.

—É você, Min. Há quanto tempo. — sorriu divertido para o mais baixo, que apenas rolou os olhos com impaciência. Rindo, divertido da expressão de ódio, Taehyung tirou a carteira de dentro do bolso. — Quanto ficou?

— 50 wons. —respondeu praticamente no automático.

Todo sábado era a mesmíssima coisa. Quando não podia simplesmente ir infernizá-lo no trabalho, Taehyung ligava pedindo pizza, exigindo que ele entregasse. Embora se sentisse ligeiramente tentado a cuspir na pizza daquele imbecil mimado, Yoongi não o fazia somente para não prejudicar o senhor e a senhora Jung, que eram como seus segundos pais.

—Aceita gorjeta? — perguntou o Kim sorrindo debochado.

—Apenas pegue as pizzas e entra de uma vez, caralho.

Rindo, divertindo-se com as caras e bocas feitas pelo estudante de administração, Taehyung pegou as pizzas e acenou para ele, que, naturalmente não respondeu, deixando o local às pressas e subindo novamente na moto.

Felizmente aquela tinha sido a última entrega da noite e Yoongi poderia, enfim, retornar para casa e descansar enquanto sonhava em socar aquele rosto de deus grego que o Kim tinha.