iii. when the chips are down

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QUANDO A FICHA CAI


Uma garota tem que lutar para conseguir o que precisa.

Essa não foi a primeira, mas talvez tenha sido a última coisa que Miranda aprendeu com sua mãe. Depois da compaixão e empatia, depois de como fazer um bom bolo, depois da história do Retrato de Adele Bloch-Bauer de Gustav Klimt; a última lição que ficou de Dorothea Wadsworth — da última vez que elas se viram, há mais ou menos seis anos — foi que, quando a coisa aperta, você tem que tomar uma atitude.

Foi por isso que ela arriscou tudo. Foi por isso que ela praticamente deixou seus princípios de lado por cerca de dois anos. É por isso que, apesar dos esforços de sua mãe para evitar isso, Miranda conhecia uma mesa de jogo antes mesmo de encontrar Sven e o bar.

Sentada ao lado de Cook, analisando sua mão de canto de olho — ele até tinha dado sorte, o desgraçado —, ela quase tinha uma visão do passado. Percy quase lembrava um cara que aparecia em sua casa com uma certa frequência, sentava à mesa de jantar bamba das Wadsworth, coberta com um feltro verde, e gastava uma quantidade absurda por estar caindo de bêbado toda vez.

Ao começo de uma nova rodada, Bak abriu um sorriso ao empurrar um punhado de fichas para o centro da mesa. Cook apenas ergueu uma sobrancelha.

A quantidade de dinheiro que passava por aquela mesa não era inédita ao Sawyer's, mas também não era algo que se vê todo dia. Geralmente os apostadores das mesas eram viciados com dívidas imensas e o nome na porta, ou trambiqueiros com uma carta na manga (literalmente) procurando um novo idiota para arrancar algumas libras. Vez ou outra, apenas, aparecia alguém como Percy: um criminoso que acabou de ganhar na loteria, e na maioria das vezes estava doido para gastar.

Não foi uma surpresa quando ele começou a empurrar pilhas e pilhas consideráveis de fichinhas coloridas para o centro da mesa; porque Percy tinha vontade de gastar uma grana desgraçada, e além disso, tinha a tal da grana desgraçada para gastar. Ou teria em breve, o que pode ser considerada praticamente a mesma coisa, com um ou outro risco a mais.

Cook, obviamente, respondia às apostas cada vez mais absurdas de Bak. Ele tinha todo aquele dinheiro? Não, essa era a resposta, claramente não, mas Cook no momento representava a casa, e Sven tinha aquele dinheiro. Não que Percy precisasse saber disso. O drama da aposta impossível acrescentava ao charme.

Além do mais, o cara era bom. Cook podia não ser o melhor de todos em apostas — o tanto de dinheiro que já perdera em roleta por apostar no número errado, ou em 21 por sempre pedir mais cartas, era sacanagem —, mas ele realmente sabia jogar pôquer. E por mais acostumado que Percy fosse a mesas de apostas — a própria mesa do Sawyer's já fora palco de suas peripécias muitas e muitas vezes —, Cook estava em seu habitat natural. Suas condições normais de temperatura e pressão. As várias vozes ao redor, o cheiro de bebida e comida circulando, a música rolando no fundo; era tudo parte de sua zona de conforto.

Por isso, se não conhecesse as manhas do jogo, Miranda teria sofrido uma síncope nervosa ao ver Cook abaixar as próprias cartas com uma feição de derrota. Bak alargou o sorriso enquanto puxava as fichas no centro da mesa para si, cantando vitória. Qualquer outra pessoa estaria batendo os dentes, com as mãos geladas, de cu trancado de nervosismo, como a própria Miranda diria. Mas não Trinket, com sua confiança descolada e atenção no jogo. Não Trinket, que passava a tarde espiando as mãos (e carteiras) dos vários apostadores das mesas do bar. Não Trinket, que já viu Cook fazer a mesma cara de merda fingida que fazia no momento umas trocentas vezes. Nah. Ela conhecia a estratégia.

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