Bronca, bronca, bronca do meu pai... A semana inteira, viu? E pra piorar o meu cárcere, minha mãe chagava do trabalho e ia direto ver se eu estava no quarto. Ai de mim se não estivesse. Levei uma surra de cinto por ter ido à padaria sem avisar. Isso já está ficando insustentável. Levantei da cama, peguei uma folha de oficio e rabisquei uma série de soluções para o meu problema. Vamos ver o que posso fazer por mim... Pontuei:
* Fugir de casa? Eu não teria como me sustentar, não agora. Risquei...
* Entrar para um convento e... Não... Seria expulsa na primeira semana e teria que retornar e ouvir ainda mais de meus pais... Risquei!
* Pedir para morar com minha avó! Isso! – Que merda... lembrei que ela voltou a morar em Cuba e só nos vemos nos natais... Muito longe... Tô fora! Risquei!
* Gritar bem alto até que os vizinhos ouvissem e achassem que os meus pais estavam cometendo um ato de barbárie comigo? – pensei... Muito dramático. Não iria funcionar, sempre fui uma criança levada demais, aqueles idiotas dos meus vizinhos viviam dizendo que o que me faltava era uma boa surra. Eles iriam vibrar com a possibilidade dos seus desejos se realizarem. Uma ova que eu ia deixá-los provar esse gostinho.
Estava ficando sem opções e imaginação. Também estava de castigo por tempo indeterminado, ou melhor, determinado sim, meus pais queriam que eu jogasse a toalha e parasse de afrontá-los diante da sociedade. Que pensamento mais brega! Desde quando afrontamos alguém fingindo ser o que não somos? Pensei por uns instantes...
* Suicídio? "Saio da vida para entrar na história". Foi assim mesmo que o espertinho do Getúlio Vargas disse? Humm... Eles chorariam, mas daí eu teria morrido e nunca mais beijaria outra garota na vida, não é? Esqueçam o suicídio, não vale à pena, e dependendo do método adotado, pode doer muito.
O silêncio! Sempre o silêncio nos impedindo de dialogar sobre os assuntos que são desagradáveis para os meus pais. A comida já estava fria de tanto que eu mexia o talher pra lá e pra cá. Até tentei fazer desenhos no prato, com o alimento. Suspirei. Apoiei os dois cotovelos na mesa. Eles me olharam como quem me pede para que permaneça em silêncio.
- Sou gay, pai! – disse interrompendo o jantar. Ele não ergueu sequer a cabeça para olhar na minha direção.
- Isso é só uma crise de adolescente, filha. – respondeu minha mãe que estava sentada ao meu lado.
- Puta merda! Quando é que vocês vão parar de se enganar?
- Queremos que se cure disso, está bem? Ninguém pode ser feliz vivendo uma vida clandestina como essa. – irritado, meu pai levantou da mesa, jogou o guardanapo em cima do prato – Perdi o apetite.
"Grosseirão, estúpido..."
– Não quero afrontar vocês, só não sinto por um carinha o mesmo que sinto por uma garota. É ruim entender isso?
- Não fale uma coisa dessas com o seu pai! – repreendeu minha mãe.
- É proibido falar agora? Já não posso mais sair de casa, vocês confiscaram meu celular, o telefone de casa só atendo depois da identificação do sujeito, ou seja, não posso atender nem as minhas amigas. – levantei também – É assim que vocês me amam? Querem uma filha fantoche que diga amém para tudo o que vocês falam, sem que eu ao menos concorde? Tenho personalidade, sabiam? Não sou a extensão programada de vocês dois. Quero minha vida de volta! Poder ir e vir...
- Vai pro quarto Karla Camila! – ouvi aquela voz ríspida vinda da sala – Antes que eu perca a paciência com você menina!
- Vai me bater de novo? Como fez ontem? – alterei o meu tom de voz. Minha mãe levantou e começou a me empurrar na direção do quarto. Meu pai já estava de volta à cozinha.
- Não vou facilitar a sua vida, menina! – apontou o dedo na minha cara, depois bateu forte com a mão na mesa, tanto que a sopa que estava nos nossos pratos derramou na toalha branca – Não vai desfilar por aí com essas suas amiguinhas desregradas! Se elas não têm um pai zeloso, saiba que você pelo menos tem!
- Acho que o senhor errou a palavra, não seria... Ditador, ao invés de zeloso?
- Já... para... – trincou os dentes. Louco para meter as mãos nas minhas fuças de novo – ... o quarto A G O R A!
Tudo bem, eu era voto vencido. Apanhar de graça não resolveria o meu problema de solidão. Resmunguei, reivindiquei, mas fui pro quarto.
Três dias depois, indignada por ter que viver na prisão desumana que meus pais passaram a me submeter, me pego pensando em uma brilhante idéia. Acho que juntou a fome com a vontade de comer. Desde que estive na clínica de doidos, não conseguia mais parar de pensar na mulher de jaleco branco. Parecia uma sarna, me coçando o tempo inteiro. Isso não era normal. Até sonhar com a gostosa, digo, A mulher, eu havia sonhado. Sonhos perturbadores, sabe? Vamos analisar os prós e contras caso eu aceite fazer umas visitas à clínica de malucos:
* Prós: sentir aquele cheirinho suave do perfume dela, descobrir se por baixo daquele jaleco tem umas belas pernas, daria tempo pra isso. Desejar beijar aqueles lábios em tempo real, mergulhar naqueles olhos verdes como quem mergulha em uma piscina, ou seja: de cabeça.
* Os contras... Bom... Bem... Esses eu posso ver depois, por enquanto, vamos evitar a fadiga. Não adianta me trancarem em casa, não é? Eu não queria voltar na psicóloga, vocês sabem disso, mas, não adianta brigar com o destino. Resolvi dar uma chance à psicóloga, ou uma chance para mim, depende do ponto de vista.
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Minha Doce Psicóloga
Historia CortaO que fazer quando seus pais não aceitam sua orientação sexual? Se a vida te dá limões, faça uma bela limonada... Após uma briga com os pais, Camila é obrigada a frequentar uma psicóloga, mas durante as consultas algumas coisas acabam acontecendo...