Tia Irina estava de volta ao hospital no comecinho da noite e graças aos céus, que os dois rapazes foram embora, porque eu não me sentia preparada para consolar outras pessoas por uma perda que afeta a mim mesma em primeiro lugar.
Contei toda a situação e ela não pareceu muito satisfeita com a visita deles, mas me garantiu que somos amigos há anos e que eu não preciso me preocupar.— Você não parece feliz que eles vieram.
— Não é isso. Eu só não queria que você fosse pega desprevenida.
Não sei como eles ficaram sabendo que você acordou. Max ou Ben devem ter avisado a eles. Sinceramente não entendo a relação de todos vocês.Ela parecia estar divagando, então de repente seu rosto ficou vermelho e ela limpou um pouco a garganta.
— Esses jovens de hoje... O mais importante é o respeito, né minha filha? Mas mudando um pouco o assunto dos seus amigos, eu lhe trouxe o IPhone que seu irmão mandou. Esse é novo, o anterior que estava com você no dia do acidente caiu no rio e não foi possível resgatar, mas ele disse que todas as suas configurações estão no icloud.
— Obrigada tia.
Olhei o aparelho lacrado na caixa sem nenhum interesse em abrir. Parecia estupidez me preocupar em configurar esse aparelho agora quando minha própria mente estava embaraçada.Suspirei e então coloquei o aparelho sobre a mesa de cabeceira ao lado da cama hospitalar.
— O que foi, querida? Não gostou do presente? Tenho certeza que esse modelo é o mais atual.— Eu amei, mas estou com medo, não consigo me sentir animada com isso. Fico pensando que minha cabeça está pior que esse aparelho, que pelo menos já vem configurado de fábrica, enquanto que eu estou aqui desconfigurada, sem nenhum vestígio de quem eu era. Sei lá, parece uma daquelas coisas sobre arrumar primeiro o interior para organizar o exterior.
— Mas o IPhone não está realmente configurado do jeito certo. Precisa inserir as informações que Max mandou. Do mesmo modo, cabe a nós, sua família lhe dar pelo menos a configuração inicial. Você vai voltar a ser quem era, ou até mesmo sairá disso um ser humano ainda melhor. O que você não pode fazer é se deixar abater. Tome tudo isso como aprendizado. Acredito que até esse IPhone vai te ajudar, porque aí tem coisas que só você e seu irmão sabem. Depois, com o tempo tudo se ajeita, podemos organizar suas memórias compartilhadas conosco de acordo com o que você conseguir absorver, se isso te estimular a se lembrar, é ótimo, se não, ainda podemos fazer novas lembranças. Você viveu 20 anos que não se recorda, não dá pra reaprender tudo em um único dia.
Ela disse com um sorriso cúmplice.Passamos horas conversando sobre nossa família, tia Irina me contou sobre minha mãe, sobre como ela era uma irmã mais velha maravilhosa e protetora para ela, e como doeu perder alguém com uma alma tão bondosa cedo demais.
Segundo ela, minha mãe era a luz por onde passava e era a pessoa mais doce e gentil que ela conheceu. Ela me explicou brevemente sobre a pandemia que aconteceu há alguns anos atrás e que essa foi a razão para mamãe não estar mais entre nós. Sua voz falhou, engasgada pela emoção. Era nítido o sofrimento pela perda da irmã, e eu não a pressionei por mais informações.Ela me contou sobre a infância delas crescendo no rancho do pai, no interior da Bahia. Era pacifico e humilde, e elas cuidavam de alguns animais dos quais se obtinha o sustento da família. A vida no campo marcou minha mãe, mudou para a Califórnia em busca de uma vida melhor no início dos anos 2000. Quando obteve estabilidade financeira, comprou outro rancho para a família. Um onde Max e eu poderíamos passar nossas férias.
Tia Irina falou brevemente sobre meus avós, contou que sua mãe já é falecida e seu pai é um velho atarracado e ranzinza que ainda vive no mesmo rancho na Bahia com uma nova família, mas que costumamos visitá-lo pelo menos uma vez ao ano.
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F.L.A.M.E
Roman pour AdolescentsCinco amigos fazem parte de uma banda que se torna mundialmente famosa após uma Terrível tragédia. Franco Levon Asher Mabel Eloy