01. Idas

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"Neste mundo que parece virado pelo avesso, precisamos fazer do fim um recomeço, precisamos fazer o bem brotar também do mal. "

Augusto Branco

Era uma quarta-feira à tarde. Os céus tinham um tom escuro de azul, o vento ricocheteava audivelmente nas folhas das arvores e chovia incessantemente, o que fazia com que todos que estavam presentes naquele cemitério ao redor daquela sepultura, estarem devidamente equiparados com capas e sombrinhas para se proteger da água, exceto por Simone Tebet. A mulher alta, branca como papel e de cabelos e olhos tão pretos como a noite não usava absolutamente nada para se proteger das grossas gotas de água, essas as quais se misturavam as suas próprias lagrimas e ao seu luto enquanto estava ali parada, olhando para a cova ser preenchida e o reverendo proferir palavras de consolo a todos.

Nada seria como antes, absolutamente nada, por que uma parte dela estava sendo enterrada naquele exato momento junto do caixão de sua esposa, a qual descobrira depois da perícia em seu corpo que a mesma estava gravida de 3 meses, ou seja, sua perda era dupla, da mulher que amava e do bebê que tanto desejaram. Era terrivelmente doloroso ter que ver a terra ser jogadas sobre eles, saber que ela jamais a abraçaria ou a beijaria novamente, que jamais a veria ao chegar em casa depois do trabalho e que jamais teria seu bebê nos braços. Por que sua amada? Por que não tinha morrido no lugar dela? Céus, parecia que haviam levado embora toda sua felicidade, que o ar fresco tinha se esvaído de seus pulmões, que estavam esmagando seu coração com toda força. Simone nunca mais foi a mesma depois desse dia.

✨️✨️✨️

Dez anos se passaram desde então, e por mais que a tempestade tivesse passado e o sol estivesse radiante no céu novamente, no coração de Tebet ainda chovia muito, nunca havia parado na verdade. Mesmo que não quisesse continuar vivendo, ela precisava, não por opção, mas por obrigação até o dia que ela fosse embora desse mundo terrível. Por todo esse tempo ela se dedicou completamente ao seu trabalho, foi o único mecanismo de "defesa" que a sua mente havia encontrado para não cair em uma depressão profunda.

Tebet era uma juíza federal e socia majoritária de uma firma de advocacia renomada em Campo Grande - MS. Ela não tinha mais vida social, se afastou de tudo e de todos, dos parentes e dos amigos, exceto por sua amiga de longa data, Anna Batista, a ruiva teimosa de estatura mediana que não "desistiu" de Simone quando a tristeza tomou conta dela, foi uma das únicas pessoas que a juíza deixou que se mantivesse por perto além de sua mãe.

Trabalhava dia e noite, de sábado a domingo sem feriado, se dividindo em várias para dar conta de tudo, hora na administração da firma, hora analisando meticulosamente uma centena de papeis sobre os muitos casos que deveria jugar. Ela só se esquecera de um detalhe... que o corpo humano não era uma máquina e que muito trabalho e esforço desmedido sem o mínimo de descanso a levaria a um mal súbito devido à exaustão e o cansaço acumulado ao longo de todo esse tempo, justamente enquanto ela dava a sentença para um réu acusado de assassinato.

Todos os presentes estavam todos de pé no tribunal naquela manhã de segunda-feira enquanto a Juíza Tebet lia na ata em suas mãos a sentença do réu.

― ...eu declaro o Réu... ― a vista dela escureceu de maneira gradual, o zumbido no ouvido e a tontura eminente era um sinal de que a pressão dela estava baixando. Todos na sala seguiam inquietos pelo que sucederia pois ela não terminou o que dizia e era nítido para todos ali que tinha alguma coisa errada com ela. ― Eu declaro o réu cul... ― Tentou já ofegante, porém mais uma vez não consegui concluir o que dizia e nem pode continuar por que de repente o ar lhe faltou completamente, e ela teve a sensação de sair do próprio corpo e de repente a escuridão tomou conta de todo o seu ser e ela apagou dizendo uma última palavra. ― Culpado.

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