04. Por uma razão

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"Tudo que acontece tem um motivo e uma razão para acontecer. A vida não é tão simples como se pensa, mas se fosse, qual seria a graça de vivê-la?"

V.Simões

Depois que saiu do Maresia aquela noite, seguiu para casa a pé, caminhava reparando nas paisagens da vila, dizendo a si mesmo que agora que tinha agradecido a mulher loira pela gentileza de outrora, estava quite com o universo e não precisaria mais voltar lá e vê-la novamente tão cedo.

Durante o percurso perguntou-se porque somente agora teve a necessidade de agradecer o ato gentil. Por anos e anos ela por vezes não respondia nem os "bons dias" que recebia nos corredores do fórum e agora tinha voltado lá para agradecer uma desconhecida que nem se quer faria questão do agradecimento se ela não tivesse voltado lá.

"Droga, que mulher insolente!"

Com certeza toda essa situação de estresse, férias, e ter que ficar longe do trabalho, forçadamente, estavam atormentando seu juízo. Porém, em relação a isso não havia mais nada a ser feito, a não ser lhe dar com aquilo e esperar que os 6 meses passassem para que ela pudesse voltar novamente para sua cidade. Ela estava em um bom caminho, até agora estava encarando a situação melhor do que achou que faria antes.

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Duas semanas se passaram desde então, como determinou para si mesma, ela não voltou mais ao Maresia. Ficou em casa gastando tempo lendo, colocando e recolocando as coisas nos lugares, assistindo a filmes ― que era o que gostava de fazer quando mais jovem ― e praticando um hobby que a muito tempo deixou no esquecimento, tricô e crochê. Tinha esquecido como era bom deslizar a agulha pela linha, fazendo dos nós pontos que no final se transformariam na peça em que ela quisesse.

Terapêutico.

No começo ela "apanhou" um pouco da linha e da agulha, afinal eram anos sem praticar. Sua linha se enrolou e deu um nó diversas vezes e Simone quase quis desistir de continuar, mas a voz de sua vó, ― com quem aprendera a tricotar ―, soou em seus ouvidos em uma lembrança:

"Filha, não brigue com a linha, você vai perder. Quando ela dá um nó, você tem que desenrolar devagar e com calma, parte por parte. Se tiver pressa e puxar tudo, vai arrebentar o fio."

Simone guardou aqueles dizeres até hoje, servia para o tricô e para a vida. E por um momento ela se questionou se nesses 10 anos ao invés de tentar desatar os nós da linha de sua vida ela não estava forçando-os, fazendo com que eles ficassem mais apertados esse tempo todo? Por isso ela continuou tentando até pegar o jeito novamente, enquanto fazia aquilo, imaginando como teria sido sua vida se ela tivesse desfeito com cuidado os nós do seu coração depois daquela perda...

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Naquela manhã de segunda-feira ― sua terceira semana ali ―, Simone tomava o seu costumeiro chá de camomila sentada de frente para o mar, apreciando de longe as ondas engolirem a areia da praia no quintal de sua casa, ondas essas as quais ela não havia se molhado sequer uma única vez. Embalado pelo barulho delas ela se perdeu em uma lembrança muito distante.

Faltavam pouco menos de um mês para o casamento delas, a jovem Simone e sua noiva, Lívia, estavam em seu apartamento organizando os últimos detalhes da cerimônia e conferindo seu roteiro de lua de mel pela Europa. Nessa época Simone estava prestes a fazer 27 anos, já era promotora de justiça e estava prestes a defender sua tese de doutorado naquele mesmo ano. Sua noiva também tinha a mesma idade, era professora universitária de literatura.

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