Maracujá com um "B"

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Martín observa Catalina abrir uma bala de menta humana no meio da explicação. Nada novo sob as luzes, já que dar a mínima para seus superiores não é do feitio dela.

-Como todos aqui já sabem, somos uma equipe de prestígio, como o próprio Asmodeus nos disse há cinco anos. Por isso, recebi instruções para passar; e já estamos em fevereiro, logo, o trabalho será puxado. Mesmo assim, d...

O cérebro de Martín desiste de ouvir mais ou menos nessa parte, e, imitando a súcubo ao seu lado, abre uma bala de menta humana: o grande lugar em que trabalha sempre arruma um jeito de contrabandear açúcar para dentro. O Inferno evolui junto com o mundo. Mas, mesmo assim, os habitantes desse reino ainda são governados por príncipes que são governados por um rei que é governado pela esposa. Desde a Grande Queda.

Fica matutando enquanto chupa a bala, pensando no motivo. O motivo pelo qual ele está ali e não em qualquer outro lugar.

Súcubos e íncubos são estéreis, logo, nascem na forma de egrégoras, a manifestação física do que ocorre no mundo acima e no meio das almas falecidas do Anel. Surgem como bebês horrendos, mesmo, e costumam ser cuidados por pequenas diabretes e servos caprinos, até que consigam manifestar seus poderes e seu propósito de existência.

Destino.

Martín vive dizendo que destino não existe, mas ele mesmo se contradiz: crê que seu passado, presente e futuro foram escritos por mãos desconhecidas, e tudo o que ele pode fazer é o que lhe foi designado, ou seja, arrastar mais humanos para a perdição e para o Inferno, com a luxúria que incita
a libertinagem, que incita o adultério, o vício, a violência, o abuso. Pelo menos ele pode escolher quais ele quer.

- ... Dispensados do auditório. Aproveitem sua ida ao Elevador!

Alfred, o puxa-saco que se oferece para fazer qualquer coisa que lhe coloque no centro, sempre estala a cauda contra o chão na última frase, como se fosse um chicote. Martín poderia chicotear as costas e asas desse maldito por horas.

- Vamos, garoto! - Catalina chega ao seu lado, apertando a faixa que ela usa - Sabe bem pra onde estamos indo, se Alfred falou em fevereiro. Eles sempre dão muitas brechas para entrarmos fundo nessa época, e símbolos estão espalhados pela terra toda! Será fácil.

Martín a observa, com seu sorriso educado e um pouco triste.

- Por que vivemos desse jeito, hein? - Essa é a pergunta mais frequente de Martín, e ele sempre recebe respostas similares.

- Eu vivo desse jeito pois gosto de ser uma fodida trambiqueira - Ela responde, com sua típica boca suja - Quero viver assim até que me exorcizem e acabem com minha praia. Mas não sei o motivo pelo qual você ainda não subiu com o disfarce humano para virar pastor na Universal.

- É que eu fico pensando, sabe?

Ela aperta as asas contra o corpo, e entrelaça a sua cauda longa com a dele, num sinal de afeto. Ela sabe que Martín é uma causa perdida, seu coração bate demais para esse lugar tão cruel.

- Você deveria relaxar. Quando subir, vá beber algo bom, com maracujá. Dizem que acalma demônios melhor que droga.

- Calma, Lina, eu vou ficar de boa, com mais alguns nomes no meu computador e mais algumas almas na danação - Diz com um semblante de confiança, mas Martín sabe que ninguém chegaria aos pés fendidos de Catalina: ela foi responsável por enlouquecer três homens a ponto de eles se suicidarem. Um feito icônico em sua carreira. Passam para pegar os cartões que são passados antes de entrarem no elevador, para poderem ir para o lugar certo no mundo humano. O cartão apenas mostra as coordenadas em números.

Quando saem do prédio e chegam ao destino, entram no elevador sem cordas e passam os cartões no sensor fendido, encontrando com Julio e María, e juntos, colocam o disfarce humano.

IncumbidoOnde histórias criam vida. Descubra agora