Clara Letícia não escondia a alegria ao passar pelo bar da dona Dilma naquele fim de tarde a caminho da faculdade. Trazia embaixo do braço alguns livros que precisava devolver para a biblioteca pois já estavam atrasados, leituras de férias que nunca foram realizadas, apenas sentaram no quarto da garota pegando pó enquanto ela devorava os invejáveis livros de ficção. Aos vinte e seis anos, Clara ainda estava na primeira graduação por nunca sentir que encontrou seu lugar em uma área de atuação, mantinha aquele sonho idealizado de ser feliz no seu trabalho e tudo que tentou parecia ter data de vencimento até se tornar um fardo. Trocou de curso três vezes e agora depositava sua fé em Relações Internacionais. Apesar de criticada nesse modo de viver, era decidida o suficiente para seguir seu próprio plano.
— Hoje tem jogo, Dona Dilma!
A mulher mais velha pegou o pano que sempre carregava no ombro e balançou no ar chamando a garota até a porta. Dilma foi amiga da mãe de Clara quando a mesma era viva e nutria pela mais nova um amor maternal e uma responsabilidade afetiva que não lhe foi pressionada por ninguém.
— Vou passar o jogo do Roque aqui hoje. Comprei uma televisão nova daquelas grandonas e o Rafa vai fazer pegar aquela montoeira de canais.
Era palpável o orgulho da comerciante ante a nova conquista, o que deixava todos ao redor felizes por ela. Dilma conquistava as pessoas sem bajular ninguém, era brutalmente honesta e não carregava desaforo, tampouco vivia de sorrisos fáceis, mas o magnetismo da mulher atraía muitas pessoas tanto para o bar quanto para sua vida pessoal. Melhor ainda era o período de férias universitárias onde o estabelecimento enchia de jovens tirando seu tempo dos trabalhos e provas.
Já para Clara, a monotonia das férias a deixava desanimada. Felizmente, a estreia do time no campeonato estadual era uma agradável mudança de ares. A paixão que Clara Letícia nutria pelo São Roque, um dos grandes clubes da cidade, era inexplicável para a estudante. Aprendeu a torcer ainda novinha quando a mãe a levava para o estádio toda semana. Ensinou para ela toda a história do clube, cada detalhe do futebol lago-clareano, apresentou os maiores ídolos do clube e a incentivou também a bater uma bolinha. Passatempo que até hoje a garota carrega, cada dia com maior seriedade.
Aproximou-se da porta e espiou a televisão deixando um assobio em elogio.
— Tá com tudo! — Deitou a cabeça no ombro de Dona Dilma por alguns segundos, orgulhosa das conquistas alheias. — Preciso fazer uma parada obrigatória, então. Vou ligar para as meninas descerem aqui, já pode mandar o Rafa preparar as fritas. — Alterou o tom de voz sabendo que o rapaz iria escutar.
Rafael era o filho de Dilma, trabalhava com ela no bar e passava a maior parte do tempo nos fundos, cuidando da cozinha. Era mais tímido que a mãe, mas, aos olhos de Clara, possuía igual coração. A universitária escolheu uma mesa, gostava das que ocupavam a calçada, ficando a céu aberto. O bar era um local simples, uma sala comercial não tão espaçosa, as mesas eram de plástico e estampam marcas de cerveja, as cadeiras faziam o conjunto ocupando espaços na calçada e o espaço interno. Um balcão largo ocupava um lado fora a fora fechando o caminho para a porta da cozinha que era pequena, mas suficiente para preparar alguns lanches.
A universitária depositou os livros em uma cadeira livre e separou mais duas para as amigas com quem dividia apartamento no prédio ao lado. Os prédios naquela rua eram quase grudados, do apartamento delas sentiam o cheiro de fritura vindo do bar, motivo que ajudava com que elas estivessem sempre ali.
Clara possuía duas amigas próximas, Elen Cecatto e Maria Cecília Pires, a princípio reunidas pela falta de dinheiro e necessidade de moradia, foram se aproximando e apesar de suas diferenças um elo inesperado as uniu. Elen, explosiva, espontânea, extrovertida e sincera até demais, chegando a ser rude. Macê, calma, tranquila, organizada, tímida, tentava sempre ser a pessoa mais boazinha da sala. Clara ficava no meio do caminho entre as duas, o degrau do meio em uma escadinha de personalidades.
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— Você leu minha mente! — Elen chegou se jogando na cadeira. — Só o que pode salvar o dia hoje é uma cerveja, meu ventilador quebrou de novo!
As batatas fritas chegaram na mesa e foram celebradas como um gol, Rafael pousou o prato com cuidado deixando-o um pouco mais próximo de Clara do que das outras garotas. Ele sorria sempre que estava perto dela.
— Amiga, ele é gentil contigo, né? Quer te pegar. — Elen exclamou sem papas na língua fazendo com que Clara pedisse silêncio levando o indicador até os lábios. Sempre tentava apagar os fogos da amiga que falava alto... e sem pensar.
— Você sempre implicou com ele!
— Ele é estranho, Dona Dilma que me perdoe. Prefiro aquele filho mais velho dela, que tem a menininha.
Maria Cecília pouco falava, era observadora, mas mantinha um sorriso no rosto.
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meu coração bate em azul e preto
RomanceA cidade de Lago Claro respira futebol. São Roque e Cidreira dividem uma cidade enquanto nossa protagonista Clara Letícia tenta encontrar quem é e qual seu caminho. Só não esperava que no meio do seu caminho tivesse uma pedra, um rival, um amor.