✨ IV ✨

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✨ (nota da autora) Luzes, câmara, ação: intensificação do drama e pequeno revelar do contexto geral do mundo. Ready? Let's gooo! 


Fiquei sentada no chão, encostada a um canto a tarde toda. Eventualmente continuaria sem sinais de Samuel. As vezes em que isto acontecia, era-me contado por Orfan que os sinais da doença de Samuel se haviam manifestado, tendo perdido a sua sanidade. Estes últimos meses era recorrente ter episódios destes. Não que eu os tivesse vivenciado. Mas a sua ausência tinha-se tornado insistente. Insistente de recorrência, mas também ela insistentemente doentia, face a que sentia um peso e uma solidão sólida no meu coração, consumindo-me e arrastando-me para o buraco negro que ganhava forma no meu peito.

Orfan desaparecera durante a tarde. Talvez tivesse ido atrás de Edwin. Não sabia se para partilhar opiniões com ele, se para rir com ele, se para o punir e ralhar com ele, ou se simplesmente para se evadir do mundo. Havia tanto no seu ar misterioso que me apaixonava, mas tanto também que me afastava, sentindo-lhe a confiança, desconfiando. Ele podia ter intervindo, mas decidiu não participar. Ele podia mudar tanta coisa, mas no fundo, estava sempre tudo igual. Porquê?...

Não me importei em vasculhar a presença de Dyn. Não queria formular uma conversa com ele. Não neste momento. Não neste presente. Não nesta vida, ou pelo menos nesta Casa. O que faria ali? O que me prendia ali? Porque não poderia sair dali? E porque tentaria Dyn ajudar-me... quereria apenas aproveitar-se de mim para sair? Afinal, ele não podia sair?...

Não comi nada quando chegou a hora do almoço. Ainda sentia a minha barriga às rodas, e a cabeça latejava devido à fraqueza, mas sentia-me demasiado inútil para desejar comida no estômago. Acabei por me isolar no dormitório, sem que ninguém o impedisse, esperando somente a chegada do encarregado que me pusesse novamente a dormir numa simulação vazia, desta vez sem falhas nem atritos. Não esperei que fosse Dyn, mas esperei ao mesmo tempo, não sabendo reconhecer agora que a oportunidade surgia, se a deveria agarrar, ou se me estava apenas a afundar num mar de vórtice negro, sem retorno.

Achei-me debruçada na cama, com as lágrimas a escorrerem-me para os joelhos desprotegidos, quando alguém bateu à minha porta, abrindo-a calmamente, e penetrando finalmente o olhar na minha figura.

- Foste tu. – Murmurou, baixinho, certificando-se de que fechava a porta para que ninguém o ouvisse, pensei eu que o fazia, se não, porque outro motivo o teria feito?

Orfan abraçou-me num reconforto paternal calmo e sereno. Eu não consegui evitar uma corrente de soluços e gemidos, eterno mar salgado que de tão ácido nas minhas rosetas da face, as faziam arder, e formigar, e eu não conseguia senão continuar com aquele cenário choroso numa agonia sem fim.

- Tiveste pesadelos esta noite? – Elevou-me a cara, secando-me as lágrimas, e afagando o cabelo meu, descomposto. – Ás vezes também os tenho. Todas as noites. – Nesta última parte, fechou os olhos a sentir a minha respiração fogosa a abrandar. Talvez também precisasse de consolo, tanto quanto eu.

- Onde está o Samuel? – Tentei desviar o assunto, ainda assim demasiado débil, fazendo transparecer a minha fraqueza de espírito, e a carência de amor.

- Ele também teve um pesadelo. Mas vai ficar bem. – Deu-me um beijo na testa, encostando a minha cabeça novamente ao seu peito, numa echarpe peluda que almofadava a presença do pêndulo. Sem pensar no assunto, toquei no instrumento, como um ato involuntário, numa busca de evasão dos problemas. Porque faria Orfan tanta insistência nas sessões de hipnotismo? Aliás, porque teria Orfan tanto interesse em mim?

Nas Terras das Lendas, Volume I - A Casa dos DemóniosOnde histórias criam vida. Descubra agora