TW: morte, ideações suicidas
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Se esse é um diário que contabiliza minhas mortes, então não há sentido em continuar escrevendo. Porque toda vez que eu o crio, me apago. Toda vez que seu sorriso brilha, Dionísio, meus olhos escurecem.
Dizem que não fui feita para sumir, principalmente na sua expectativa, mas se eu preciso parar de lutar contra mim mesma, talvez essa seja a melhor oportunidade.
Pra começar, seus braços. Os olhos que comandam a fileira de universos existentes. Deus de tudo que há e que não há. Se eu o inventei, você já existia antes de mim, a sua contradição é o meu luto.
Naquele dia, seu sorriso mandou um comando diretamente pro meu estômago: pare de nutri-la com a vida.
Você sabe que eu o quero na morte porque é onde as paralelas se encontram. E também porque eu cansei de arquitetar universos.
Minha memória anda fraca, pelo menos agora por causa dos paliativos. Tudo, todo dia, toda alegria, todo prazer é paliativo.
Chegar ao extremo (que atende pelo seu nome) é também desprender da autoridade que ele me impõe. É pensar em jeitos de retomar o controle. É abandonar de vez o projeto de me abandonar.
Se você tivesse asas, Dionísio, poderia me aparar na queda.
Mas deseja que eu me lance porque o medo do abismo o alimenta. Libertar-me das correntes é sua brincadeira preferida, enquanto olha de baixo com jeito de criança ferida e diz que não se comportou. Gosta de admitir que não é um bom garoto. Nunca foi.
Esse ano. Esse mês. Talvez no outro. Eu sempre morro. Seus olhos me puxam e me apagam o fiapinho de chama.
Me ajuda.
A amarrar a corda no meu pescoço. Me ajuda a restringir a vida que ainda insiste em se debater no fundo de mim. Dionísio, deus dos extremos, eu lhe peço que me conceda o poder e o direito de me destruir. Que os anos se recolham e eu volte a ter 20 anos, pensando que um dia o tocaria, Dionísio. Desejando e inventando seu rosto antes de conhecê-lo.
Minhas mãos doem. Mas é porque eu ainda tento. Me ajuda a pensar num jeito de ser outra, não de lançar um fio do meio do labirinto (akai ito), e sim aniquilar qualquer parede e qualquer falso monstro.
Posso fazer sem você, a questão é que eu não quero. Sua ajuda seria mais eficaz porque é melhor transmutar o amor em morte que se deixar descender até as águas profundas. Sei que não estou fazendo mais sentido e que é melhor me calar. Só que eu ganhei uma voz, não, conquistei uma voz, e agora desaprendi como tranquilizá-la. Dionísio, que renasce mais humano a cada vez, Dionísio que um dia foi um deus.
Será que eu também sei ser deus?
Amanhã vou sonhar com você sonhos que não vou lembrar. Amanhã, vou pensar na sua nuca, ou eleger qualquer parte do seu corpo e unir minhas mão em oração a essa parte.
Amanhã ou hoje.
Vou pedir pra você, ainda, sempre, mais, pra receber o que não posso ter.
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Ditirambos de Dentro do Labirinto
PoesiaLouvores pandêmicos ao deus epidêmico. Dionísio: o deus do êxtase, que venceu a morte e a loucura, nascido duas vezes, Aquele Que Não Pode Ser Evitado. O labirinto: o isolamento pandêmico e seus desejos irrealizáveis (e por isso mesmo eternos). Aria...