I. O eco da eternidade

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    Em suas mãos estava às correntes que lhe prenderam por anos e no coração o medo, a angústia, o pavor. Ela correu, correu até seus pés rasgarem e apenas o sangue fluir deixando suas pegadas frias, correu até seus pulmões falharem na respiração e seu coração errar as batidas aceleradas, ela sentia que iria desmoronar se corresse mais um metro, seus joelhos dobraram até não aguentar mais e despencaram em ruas de um templo. Caída ao céu aberto, sem mais forças para prosseguir e lutar por sua vida, relinchos de cavalos soaram logo atrás de si sendo montados por traficantes de pessoas que a mantiveram por anos em suas posses.
    Ela olhou para os céus, orava a seus deuses sem perder a fé, seu sangue agora por todo o corpo escorria entre aquelas ruínas, seus pés não se moviam mais ou sequer suas pernas. Tentou se erguer novamente falhando miseravelmente. Sete cavalos se aproximaram a rodeando, aqueles homens tinham chicotes em suas mãos, espingardas e gargalhadas saindo de suas gargantas. 

    — Ela realmente corre bastante — disse um deles.
    — O que fazemos a um ratinho fujão? — disse outro.
    — Seu desejo é correr,  faça-a correr mais!— gracejou um.
    — Arranque suas pernas e a faça rastejar! — declarou outro.

    Esse desce do cavalo e se aproxima da ratinha, a chuta em seu rosto a fazendo voltar se deitar. Aquele homem olha em volta, caminha até um pilar puxando uma corrente fina, presa na pedra, volta até a garota no chão, ficando por cima dela colocando aquela corrente em volta de seu pescoço.
    Os olhos cor de sangue da garota estavam tão abertos que pareciam querer saltar das orbes, sua pele ficou arroxeada e seu pescoço a sangrar.

    — Não a mate, precisamos dela, o caminho é longo — disse um  que surgiu ali ao lado deles.
    — Deixe-me apenas admirar essa ratinha, adoro suas expressões de medo e dor — apertou mais a corrente.
    Enquanto sufocada, orava, colocava suas unhas em volta dos braços do mercenário fazendo o sangue dele se misturar ao seu, tinha o choro preso na garganta, murmúrios de sua oração chegavam até ele: — Em meu desespero, entrego-me a ti... — A voz estava fraca — Com medo e tremor, ofereço minha alma.
    — Sua diabinha, — Ele aperta mais e mais a corrente — deseja se tornar esposa do diabo?
    — ...Esperando que tua crueldade seja aplacada e tua ira seja desviada...  —  continuou mesmo com ele torcendo a corrente — Aceite este ato profano como prova de minha devoção e desespero!

    Os olhos vermelhos dela reviraram para cima.
    Um vento congelante cortou o ar ao redor deles, os pássaros na floresta logo entraram em agonia levantando voo e saindo das redondezas, as árvores chacoalhavam como se gritasse e chorasse, do chão sangue jorrou como de uma ferida aberta recente. O homem afrouxou a corrente ao encarar o rosto pálido da mulher, que não tinha mais cor ou vida.
    As pernas dele ficaram sujas por sangue escuro que surgiu dentre as lacunas das pedras retangulares das ruínas, o odor podre de magia exalou a sufocados, os cavalos fugiram derrubando quem havia em cima e adentraram a floresta. Os rosnados vinham da direção que os equinos fugiram, chocalhos entre as pedras, gelo se formava no ar, plantas cresciam ao redor de cada um daqueles homens, o homem que estava por cima do cadáver se levantou e se aproximou dos outros que estavam armados e apontando para o escuro. Grunhidos surgiram detrás deles, a mulher, que devia estar morta, se contorcia no chão, babava e gemia, gritava e chorava, seus olhos sangraram, suas pernas se retorceram e seus braços quebraram, torceu o pescoço e avançou sobre os homens.
    Um deles correu em direção a floresta, de onde surgiu uma fera gigante peluda, pulando sobre o homem rasgando a parte superior de seu corpo em apenas alguns segundos, o pelo negro e os olhos em esmeralda era o novo terror daqueles traficantes que ousaram pisar no solo sagrados das ruínas que um dia pertenceram a um lorde das trevas no passado.
    Da floresta surge uma criatura coberta por um manto antigo, seu rosto coberto por uma máscara de madeira que possuía um par de chifres apontados para frente, com passos leves e respiração chiada, era alta, que apenas seu cajado ultrapassa a altura daqueles homens apavorados. Um daqueles homens se encostou paralisado em uma viga, seu corpo congelou pela metade avistando outra criatura – agora coberta pela cor branca e olhos em cor de ouro frio – sorridente usou cristais de gelo para terminar de perfurar aquele que estava congelado e ignorando os sibilos vindo da enorme serpente negra que surge dentre as ruínas segurando um daqueles homens, o apertando e o partindo ao meio.
    O corpo da garota flutuava no meio das ruínas acima de um círculo completo pelo sangue dela, os homens encurralados e quase próximos ao cadáver flutuante, uma voz ecoou por eles.

    — Mate-os, faça de seus corpos meu alimento e usa-os para que me livre deste tormento — a voz saía da garganta da garota, mesmo que não a pertencesse — Vamos minhas crianças, não percam seus preciosos tempos pensando se vale a pena ou não matá-los, essas criaturas imundas não farão diferença nas suas mortes, apenas serão mais espaço ocupado no inferno.

    A voz era grave e absurdamente medonha, os homens tremeram de pavor somente em ouvi-las, um deles urinou-se apenas ao ver o que estava ao seu lado ser empalado por um espinho de gelo crescer do chão e atravessá-lo, a criatura peluda deixou de ser criatura e tomou uma forma semelhante a de um humano, seus dedos eram apenas feitos para as garras que estraçalharam o homem deixando que suas vísceras logos caíssem ao chão, a serpente também tomou a semelhança humana, o sibilo continuava até os dedos dele tocaram sua língua e ele passar os dedos na testa de um dos homens fazendo a pele, o crânio e sua massa cefálica derreter abrindo-o totalmente, a última criatura foi mais complacente ao próximo sacrifício, levando a ponta do cajado a encostar na cabeça do último homem, seu corpo inteiro se inchou e estourou fazendo criar uma neblina rosada e podre.

    — Isso minhas crianças! Tão obedientes, tão desejosas!
    — Bem vindo novamente, meu Senhor. — os quatro homens disseram em volta do corpo

    O corpo desceu a centímetros de encostar totalmente no chão, a magia e uma densa neblina saía de dentro dela. Um grito pavoroso ecoou quando sua boca foi rasgada e um par de mãos grotescas e desnecessariamente grandes saíram terminando de rasgar o pequeno corpo comparado a aquilo que saiu de dentro dela, rasgando-a por inteiro, cada metade do corpo ficando esticadas ao chão e aos poucos se desfazendo em apenas carne e sangue. Um demônio surge de seu sangue, uma criatura grotesca e tão grande quantos suas “crianças”,  coberto de sangue da cabeça aos pés, deles, o eco das almas enlaçadas tentavam subir e sair da agonia sendo pisoteadas por cada passo dado pelo demônio até o bolo de carne deixado pelo, o que era pra ser, o corpo da mulher. Pegou com uma única mão e levou até a boca devorando aquilo.

    — Estou de volta, Galinarael.

    Fechou os olhos se deliciando com o sabor da carne e sangue.

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