“Que o mal seja minha salvação, que a escuridão me envolva e que tua vontade seja cumprida. Em teu nome, ó Caos, entrego-me tudo o que resta”
Na madrugada ainda presente, Cassandra se mantinha enrolada em um longo casaco negro pertencente a Zelofeade, ela encarava o fogo enquanto ele estava com seus olhos fechados e pernas cruzadas. As poucas vezes que desviou o olhar foi para ver a sombra daquele demônio ir e vir na escuridão, ele tinha magia nas veias, poder nas mãos, presença na forma, maldade na voz.
As poucas vezes que ela se pegou encarando seu rosto, observava seus olhos negros com pontos verdes que lhe diziam para onde olhava. Sempre que ele se dirigia a ela ou caminhava não parecia sentir necessidade de ver para onde ia, apenas seguia seu caminho.
Ela se levantou, o olhou e até ele abrir os olhos.— O que você quer? — Perguntou ele.
— Estou apenas te olhando. — Ele estica os braços para cima e estala o pescoço, sentado como um urso, curvou as costas tirando sua postura.
— Pois pare, está a tanto tempo olhando que parece perfurar minha pele. — disse zombando — Pergunta de uma vez ou vai dormir.
Ele vira seu rosto para ela, que tombou a cabeça e um olhar curioso a tomou: — Zelofeade, seus olhos funcionam? — Balançou a cabeça rápido — Quero dizer... você enxerga o que está ao seu redor? Parece que não — aponta para os próprios olhos murmurando — Sabe, você não os move...
Se ele movesse os olhos além de formar carrancas, provavelmente revirava os olhos.
— Meu desejo é que o arrependimento comece a matar geral... Não, Cassandra, eu não enxergo nada. Apenas nada e mais nada.
— Sério? — Ela se levanta, ainda com o casaco sobre seus ombros e arrastavam no chão ao caminhar até um pouco perto do rosto dele — Seus olhos são bonitos, até mesmo para um demônio.
— Você me elogia e depois me insulta, está afim de morrer?
— Eu lhe fiz esse pedido, mas ao invés me enrolou como se eu fosse uma lagarta e mandou-me dormir. — Ela se afasta dele.
— Para inibir essa podridão que sai do teu corpo. — Ele diz com outra carranca ao abrir as narinas e cheirá-la.
— Estou tão fedida assim? — pega um pedaço da roupa e leva ao nariz, o odor horrendo a fez fazer careta e tampar o nariz — Céus… estou quase decompondo.
— Eu sofro com você no mesmo ambiente que o meu desde que despertei.Após uma longa conversa com ele, ela descobriu que aquele demônio tinha seus sentidos apurados a um nível extremo. Sua audição alcançava um raio de sete quilômetros ou até mais dependendo do ruído, o olfato era tão apurado que até as micropartículas era perceptíveis ao seu faro, ele conseguia se move apenas sentindo cada vibração do solo e seu redor, e no paladar, com uma pequena gota de seu suor conseguia encontrar seus antepassados até no inferno se desejasse.
Mas isso é algo que ele certamente não faria.
Passava setenta por cento do dia reclamando sobre o odor que vinha da mulher, o que ele esperava? Perfume de rosas vindo de uma, agora, mendiga?Necessariamente, ele não está no direito de falar do odor de ninguém, desde que foi liberto de seu confinamento, não teve audácia de entrar no rio e se banhar… ousa apontar o dedo para mim sendo hipócrita. Pensou Cassandra, séria e irritada.
Cassandra pegava pedrinhas do chão e atirava contra a superfície do rio enquanto caminhava atrás de Zelofeade, esse demônio de pernas longas dava dois passos que diferenciava a uma pequena corrida feita pela mulher – que no meio da sua trajetória havia desistido de correr atrás do mesmo.
Zelofeade sempre voltava atrás ou colocava a mão na cintura na espera de ouvir que aquela mulher voltaria a andar atrás de si, em certos momentos até reclamava que ela ficava perdendo tempo e atrasando ele.— Zelofeade! Olhe, aqui tem peixes! — apontou ao rio, grandes carpas vermelhas e amarelas. Seu rosto encara seu reflexo, passa a mão em seus cabelos negros e embolados, se abaixa pegando um pouco de água para limpar o rosto ao ver que no seu reflexo, suas íris ficaram vermelhas como dois rubis ao molhar o rosto, eles se transformaram em olhos verde, comuns e mortais. Estava de olhos fechados quando sentiu um empurrão e cair direto no rio. — Demônio filha da puta!
Ela abre os olhos e os limpa olhando para a margem, um homem com um rosto levemente semelhante ao do demônio, com pele morena e com os cabelos abaixo do ombros, ao caso sobre o rosto, seu sorriso de escárnio e dentes pontiagudos estavam presentes para ela.
— Mortal fedida. — Disse com a voz rouca e enguiçada.
Zelofeade se aproxima devagar: — Nunca estive tão orgulhoso por você ser meu filho. — disse a aquele de cócoras na margem do rio.
— Essa mortal precisa de um banho, minhas narinas queimam com seu fedor! Fedida!
— Chega de dizerem que estou fedida! — bateu as mãos na água ao ficar em pé e voltar à margem.
— Volte! — Ele foi e empurrou ela novamente dentro da água.
Ao tirar a cabeça dela para fora da água, Cassandra avistou outros três homens que surgiram ao lado do demônio.
Um era o mesmo homem que estava na floresta dias atrás, o homem fada. Outro que ficou de cócoras ao lado do filho do demônio tinha olhos bicolores em azul-amarelo, cabelos negros longos e tão emaranhados quanto da mulher, sem roupas na parte superior mostrando vários tatuagens negras que cobriam a maior parte do pele definida e pálida, o outro de aparência serena e tão belo quanto o irreal, madeixas brancas e olhos dourados.
Ela estava rodeada por aqueles homens de beleza extrema que a olhavam julgando até o fio enrolado de seu cabelo.
— Que vergonha. — murmurou.
Ela estava tão envergonhada que só sangue no rosto esquentou ficando com bochechas rubras, desceu o rosto na água até cobrir quase chegando aos olhos, encostou seus joelhos nas pedras submersas a água e só queria poder morrer ali, afogada, ter seu corpo levado pelas correntes e servir de comida de peixe.Eles acompanharam seu pai até uma cidade próxima das terras do demônio, uma grande cidade de prédios altos, ruas de pedras retangulares e uma movimentação de carruagens e pessoas variadas.
Cassandra continuava encharcada, seu vestido estava colado em seu corpo magro e sentia seus braços gelados, andava atrás daqueles cinco homens altos e bonitos, as vezes desviava sua atenção para as pessoas que passavam por ela, alguns nem vestidos, outros pertenciam a plebe, assim como outros eram burgueses, nada fora do comum a uma cidade grande.
Ela se atentou a uma loja com uma vitrine brilhante e com um letreiro em dourado: La Sirena del Puerto. Havia um manequim com um vestido rodado em azul, cheio de babados e rendas, laços e fitas pelo cumprimento da saia e busto da roupa, uma mulher se aproxima do vidro e a olha com uma carranca horrorosa e faz um sinal para que ela saísse frente à loja.
Queria meu dinheiro novamente que iria comprar essa espelunca e te jogar no mar, piranha. Com passos pesados e pensamentos maléficos voltou a se aproximar dos demônios que estavam sentados um pouco mais a frente.— Que demora!
Berrou o homem serpente. Colocou as mãos na cintura até ela passar na sua frente para andar.
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Eco Da Eternidade
FantasyEm um mundo sombrio e repleto de magia, Cassandra, uma jovem marcada pelo medo e angústia, escapa de anos de cativeiro nas mãos de traficantes cruéis. Desesperada, ela busca refúgio em um antigo templo sagrado, mas a liberdade é efêmera quando se vê...