VI. Frio na espinha.

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    O fraco rangido das escadas incomodava até mesmo a mulher, sendo seguida pelo demônio, tateando as mãos na parede até encostar no batente de uma das portas, ela olha em sua mão e em uma das chaves tinha uma etiqueta com um número, vaga os olhos pelo corredor até encontrar o correspondente, caminha até a porta e arranha a garganta disfarçando, ele tira a mão da parede e segue o som, Cassandra abre a porta do quarto para o mesmo e já sairia do corredor descendo as escadas, Esmer vinha subindo as escada segurando a barra do manto azul. Ela entrega a última chave a ele.

    — Essa chave é sua, Cassandra.
    Ela olha para ele e depois a chave, ergue a sobrancelha pensativa: — Seu pai disse...
    — Meu pai, apesar das falas desdenhosas, ele não seria capaz de fazê-la dormir com os cachorro, — a explicou, seu semblante era gentil, “sorria com os olhos" — Se ele não gostasse de você, provavelmente serviria de alimento a ele.
    Aparentemente, não era tão gentil assim, arrepios ela sentiu: — Obrigada, mestre Esmer.

    O quarto não era luxuoso, porém era espaçoso, bem iluminado com candelabros pequenos, a cama de casal com pequenas mesas a cada lateral, tapetes escuros e um extenso corredor até um pequeno quarto de banho, até mais iluminado que o outro cômodo, uma banheira grande e essências em vidros pequenos nas prateleiras de madeira.
    Cassandra caminhou tocando as coisas, seus dedos finos e gelados estavam a sete longos anos sem encostar em algo que não era sujo e constrangedor, seu peito se enxerga com amargura e raiva, apertou o punho até seus flancos perderem a cor. Ouviu baterem na porta, uma empregada da estalagem apareceu para encher a banheira e Cassandra fechou a cara, um vinco se formou entre as sobrancelhas.
    Puxou o ar o máximo que pode e andou dez passos pesados até o quarto do demônio batendo na porta como se fosse arrancada do lugar.

    — Zelofeade! Abra essa porta. — bateu novamente — Agora!
    O demônio abre e um vinco também estava presente em seu rosto: — Criatura insolente.
    — “Insolente” uma porra. — os olhos do demônio se abriram levemente pata a audácia da mortal — Escute-me, caso não saiba, as moedas não são infinitas como sua soberania, se ficar gastando-as com inutilidades não haverá moedas até voltar com o duende mequetrefe. — sua voz era ríspida e seca, na presença do demônio, um dos poucos momentos em que se desleixou e deu palco aos vibrantes olhos vermelhos.
    Ele curvou-se para que seu rosto ficassem centímetros acima do dela, “olhando-a” de cima, uma linha se formou nos lábios, devagar, levou sua mão até a cabeça menor, sem que a mesma tivesse conhecimento, ele agarra os cabelos da nuca dela e a puxa para perto de seu rosto, a mantendo sobre o chão, quase não encostando as pontas dos dedos — Volte a levantar a voz para mim, criatura devassa, que a farei comer sua própria língua.
    Cassandra fechou os olhos e mordeu os lábios, um fraco gemido ressoa de sua garganta, seu rosto logo é tomado pelo rubro da vergonha, Zelofeade arqueia as sobrancelhas e a põe novamente no chão.
    Com o rosto vermelho e quente, coça a garganta e segura no próprio rosto olhando para baixo: — Demônio estúpido. Que queime no fogo dos sete infernos!
    Desvencilhar-se do toque e voltou ao seu quarto, a empregada a aguardava no cômodo um pouco inquieta.
    — Senhora...
    — Saia. Seus serviços não são precisos. — estava sem graça, nem sequer olhou para a mulher, mas sabia que seu rosto ainda estava vermelho.

    A empregada saiu de cabeça baixa, Cassandra trancou a porta, se encostou na mesma e suspirou fundo tocando o próprio peito acelerado.
    Retirou o vestido surrado e imundo, jogando-o dentro de um balde que tinha uma mistura de sabão e essência. Antes mesmo de tomar banho, se esforçou em lavar aquele tecido com sujeira impregnada, para seu descaso, nem mesmo esfregar na própria mão não sabia, não precisava antes, infelizmente pegou jeito apenas depois que arrancou lascas da própria carne das mãos. Passou vários minutos apenas na roupa, o suor escorria pela costa, as mãos doíam e seus joelhos tremeram de estar na mesma posição muito tempo, ao se levantar, espremeu o tecido – que quase volta a ter a mesma coloração azulada que o tecido tinha a sete anos – e o estendeu na janela.
    Ao entrar na banheira, a água estava fria, pegou a toalha e esfregava com força em sua pele para remover completamente toda aquela sujeira, os cabelos estavam tão piores quanto, sentada na penteadeira tentando sequer penteá-lo. A tesoura estava bem ao seu lado, cogitou cortá-lo próximo a nuca, mas um terço do cabelo já havia sido penteado, o céu já havia ficado alaranjado outra vez quando finalmente terminou tudo.
    Orgulhosa de si mesma, pois as mãos na cintura se admirando.
    Depois de sete anos, viu sua pele ficar tão branca quanto porcelana, seus cabelos voltaram a ter cachos negros volumosos – não tão definidos.
    Cortou uma boa parte desgastada do vestido e pronto.
    Estava bem com seu resultado.

    Desceu as escadas com fome. Encontrou com o demônio e seus filhotes em uma mesa farta, havia tanta comida que era possível um pelotão comê-los e sobrar.
    Balançou a cabeça negativamente, nem sequer fez questão de se aproximar na esperança de voltar ao quarto, quando a voz do demônio se fez presente no ambiente.

    — Volte.
    Parou, não se virou em direção da voz, seus olhos perambulava o teto, as escadas e alguns hóspedes, mas sem muita atenção.
    — Sirva-se. — olhou por cima do ombro — morte por inibição é dolorosa e lenta. — por instantes, os olhos do demônio pareciam se focar no seu rosto, como se ele visse os seus piores pecados — Sente-se e nos acompanhe, há fartura na mesa.
    Relaxou os ombros e caminhou até a mesa, se sentou e no mesmo momento, Cairo, sentado ao lado de si, colocou um pedaço de torta de pombo e uma peça de carne: — Obrigada.

    Aragon levantou a cabeça e a olhou por alguns segundos, estava com os olhos tão vibrantes quanto ouro derretido, ele sim, tinha uma expressão que dava frio na espinha, tão belo que dava medo, rosto de anjo, puro e perfeito, alma suja, sangue corrompido, ações podres.
    Então, pouco tempo depois, ela ia lendo cada um dos filhos do demônio. Uma tentativa de chegar até o mesmo.
    Esmer, era majestoso, belo e gentil. Uma fada sem asas delicadas, escondidas por um manto grosso e pesado. Com sorrisos grandes e um brilho de vida no olho direito – o brilho luxuriante regava o esquerdo através de uma grande esmeralda que tomava o lugar do globo ocular – sendo aparentemente inofensivo, ou talvez seja escondido assim como motivo de usar a máscara que sempre estava presa em seu manto.
    Cairo, lembrava um animal selvagem, mas era bem quieto e  inofensivo. Seus olhos bicolores azul-amarelo não davam medo, mesmo que fossem riscados como da serpente, suas tatuagens eram seu charme, a forma descontraída de agir, falar e pensar o deixava cheio de suas dúvidas.
    Nikko, ou pelo seu conhecimento, Ellon. Um apelido maldoso para o homem-lobo, ele não parecia ser inofensivo e provavelmente iria te morder se tentasse encostar, quase não abria a boca para falar, mas quando abria tinha uma voz rouca e arranhada que a deixava menos irritante, sempre estava criticando céus e infernos.
    Agora, belo e terrível Aragon, sempre quieto, fingindo estar alheio ou desprezando seus arredores, aqueles olhos cor de ouro vibravam quando olhava bem ao fundo, causava medo e temor, era como olhar a morte avarenta. Inofensivo, porém, ele não só te morderia como também iria destrinchá-lo, esfolá-lo e esquartejá-lo para poder devorá-lo por completo.

    Mesmo que demonstrasse gentilezas e inclusão, eles eram demônios,  não se dava o luxo da confiança a suas costas a eles.

    — Coma. Ou tem medo que a mordermos?

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⏰ Última atualização: Sep 04, 2023 ⏰

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