Primeiro dia de aula

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   — Sério que me fez derramar café no uniforme logo no primeiro dia de aula? — Bati a mão pela 6° vez contra a mancha de café em minha blusa. Gabriel me ignorou pela 6° vez seguida. — Eu tô falando com você.
   — Fale menos e ande mais, se continuarmos no seu ritmo iremos chegar lá no ano novo. — Meu irmão resmungou.
   Como sempre, ele sempre resmungava.
   — É meio difícil se ter  ânimo para andar quando alguém derrama café na sua roupa justo no primeiro dia de aula. — Desviei o olhar para baixo, para onde as pedras corriam quando eu as chutava.                       
   — Então reze para não dependermos da sua animação, se não, não vamos chegar nem a três metros.   
   — Esse caminho... Tem certeza que está indo ao lugar certo? — Olhei para o mato e a vegetação que se elevava cada vez mais na terra e brotava entre as rachaduras e buracos da passarela de concreto estreita. Aquilo era o caminho que dava para os fundos do parque da cidade.
   Havíamos pegado o começo da trilha que nos levava por dentro da vegetação, haviam árvores e plantas da direita à esquerda, os mosquitos também não ficavam de fora. Mesmo que eu estivesse esperando que o caminho seria pelas calçadas ou ruas como qualquer outra pessoa normal indo a escola. Mas não.
   — Aqui diz que há uma estrada secundária.
   — Aqui? — Ergui uma sobrancelha mesmo que Gabriel estivesse de costas para mim e um pouco mais a frente. Meu irmão se virou para mostrar o celular em mãos, o GPS para ser mais exata.   
   — Segundo o GPS a estrada fica a... — Gabriel abaixou o celular ao virar a cabeça para o lado, para uma trilha de terra e pedras que eram acobertadas por todo o tipo de plantas e mato do lado. — Bem aqui.
   Olhei para a trilha que se parecia com a de um bosque mal assombrado, ou a entrada para o país das maravilhas.
   — Ta de brincadeira com a minha cara né? — Estendi a mão em direção a trilha. — Isso aí não deve ter nem sinalização ou muito menos estar no mapa.
   — Bom — Gabriel levou a tela do celular de volta ao rosto depois de pôr a outra mão no bolso e por os pés na trilha que se parecia com o caminho para o além. — Sei que está no GPS e no mapa para a escola, então — Gabriel não olhou para trás ao dizer — Você vem?     
   Com os braços cruzados e com os pés levemente fincados no chão, encarei meu irmão seguindo caminho por dentro do mato até que parecesse uma figura distante. Bem distante...
   — Gabriel? — Inclinei a cabeça para o lado tentando ver meu irmão, que não me respondeu. — Porque eu não posso ter um irmão normal ou uma vida de colegial normal? — Inclinei a cabeça para cima, para as nuvens que passavam abaixo do céu azul, na esperança que os céus me respondessem. — Gabriel, me espera! — Não olhei para trás quando corri seguindo em frente.

                                          ۝          

   — Já estamos chegando?... — Perguntei pela 4° vez.
— Ainda não. — Gabriel respondeu pela 4° vez.
   23 minutos. Estávamos andando no meio daquele mato e trilha de terra a mais de 23 minutos com meus olhos colados em todos os lados e cantos checando se nenhum maluco pervertido iria saltar dali a qualquer momento. Porque não havia como uma pessoa normal da cabeça andar ali por pura diversão.
   — Que estranho... — Gabriel parou de andar — O GPS diz que o caminho termina aqui. — Meu irmão ergueu o celular acima da cabeça — Ou apenas seja o sinal que não pega aqui, que maravilha, nossa mãe nos mandou para o fim de mundo onde nem o wi-fi pega.
   Olhando para frente, ainda havia bastante terra para completar a trilha que se estendia até a linha limite que meus olhos podiam ver. Aquilo não tinha fim não?...
   — Ainda acho que estamos no caminho errado. — Dei alguns passos à frente, olhando para a trilha logo à frente. — Nossa mãe não nos mandaria para o meio do mato... Acho melhor ligar pra ela e perguntar se esse é o caminho certo. — Olhei para Gabriel que continuava logo à frente — Tá me ouvindo?
   — Claro, claro… se você for um ponto de sinal de wi-fi pode ter certeza que vou te ouvir. — Gabriel continuava com a cara no celular — Porque não aproveita e pega o seu celular pra ver se ele tem sina… — Meu irmão não teve tempo de terminar a palavra assim que seus pés passaram pelo chão. Literalmente passaram do solo.
   — Gabriel! — Gritei, e então corri o mais rápido possível na direção em que ele havia seguido. Na que o vi pela última vez.
   E então experimentei a experiência que meu irmão teve, pois meus pés também passaram do chão quando caí dentro do que parecia ser um buraco de terra.
   Gritei mais do que antes quando percebi que aquilo não era um simples buraco, estava mais para um túnel e um tobogã a julgar pelo escorrega que meu corpo estava tendo indo buraco a fundo. Como se fosse uma descida de parque de diversões misturado com uma viagem ao centro da terra, a diferença era que, aquilo durou menos de 10 segundos.
   — Mas que merda é essa! — Gritei quando meu traseiro parou de escorregar ladeira abaixo, ou melhor, buraco abaixo.
   Minha blusa e saia estavam parecendo um pano de chão gasto de tanto se desgastarem durante a descida na terra. Parecia que um ralador havia passado embaixo da minha bunda.
   Olhei em volta e para a frente, ainda parecia um buraco, mas com iluminação que a julgar pelo claro, era a luz do sol.
   — Gabriel! — Gritei, fazendo um eco ressoar ali dentro. Eu não estava vendo meu irmão.
   — Pelo visto você também pegou o "escorrega".
   Ouvi a voz de Gabriel, mas não o vi.
Isso até uma sombra se revelar nas paredes.
   — Gabriel? — Estiquei a cabeça mais para o lado quando a sombra pareceu se aproximar mais.
   — Não, o monstro da caverna. — Falou Gabriel ao entrar em meu campo de visão. Os cabelos estavam desgrenhados e o uniforme parecia levemente amassado com um pouco de poeira e terra. Não estava tão ruim quanto o meu…
   — Isso é culpa sua! — Me levantei, e a voz também. — Se não ficasse com a cara nessa merda de celular não tinha caído em um buraco! — Olhei ao nosso redor.
   — E você é tão mais esperta que literalmente! Veio parar no mesmo buraco que eu. — Meu irmão me encarou.
   E eu me calei quando percebi que ele tinha razão. Que eu deveria ter olhado para baixo antes de sair correndo atrás dele. Mas isso não mudava o fato que ele havia caído primeiro.
   — Sabe se esse lugar tem uma saída? — Andei em círculos pelo lugar o olhando. A luz do sol ficava mais clara mas eu não sabia de onde vinha. Mas eu sabia que o que vinha na minha cabeça era o medo de ficar presa ali pelo resto da vida e talvez ter que cometer canibalismo para sobreviver. As garrafas de água em nossas mochilas não iriam durar para sempre.
   — Mais a frente tem o que parece ser uma saída. Tem luz lá. Mas ainda estamos sem sinal… — Ele ergueu o celular com a tela recém rachada para cima, como se algum fio de sinal fosse passar por aquele teto de terra.
   E o único fio de paciência que eu tinha já havia passado a tempos.
   — Acabamos de cair dentro de uma droga de buraco e você tá preocupado com o sinal? — Olhei desacreditada para Gabriel, lhe dando o melhor olhar de reprovação possível, e então lhe dei as costas e segui por onde a luz do sol ficava mais forte.
   A parte de baixo de minhas pernas estavam raladas e ainda por cima meu uniforme além de sujo de café, agora estava sujo de terra e sabe-se mais o que quer que estivesse naquele lugar. Sem contar com minha mochila que parecia ter sido jogada de um penhasco a julgar pelos furos e rasgos e pequenos ralados visíveis ali.
   Eu estava começando a ficar com medo de entrar na escola e ser confundida com uma mendiga.
   Me movimentei pelas paredes estreitas e pontiagudas de pedras, eu também tinha que tomar cuidado para não escorregar no chão barrento embaixo de mim. Aquele lugar devia virar uma piscina em dias de chuva, e eu não queria estar ali quando o menor sinal de qualquer gota d' água cair do céu.
   Depois de andar o que seria no máximo 7 metros a frente desviando de pedras e buracos pequenos, finalmente vi minha esperança voltar, junto com a visão de uma abertura mais ao longe, uma abertura que dava a vista da luz do sol e grama levemente elevada, o que era bem diferente do barro que havia ali dentro.
   Tive que me abaixar um pouco para passar pela abertura, parecia que ela não estava pronta para meus 1,59 de altura. O que quase resultou em uma batida de cabeça no topo da abertura, mas foi evitado. Assim como evitei a vontade de gritar um palavrão quando me deparei com um verdadeiro matagal me esperando ali fora.
   Árvores maiores do que as que ficavam nos quintais vizinhos e arbustos e cascalhos até cansar a visão.
   Por um momento olhei para trás, para a abertura a qual eu havia acabado de sair e olhei novamente para dentro procurando algum coelho branco ou um chapeleiro maluco. Mas a única coisa que vi foi a cara de Gabriel.
   — Parabéns, achou a saída. — Gabriel se abaixou para passar pela abertura, ele e seus 1,65 de altura também superaram o tamanho da saída.
   Gabriel olhou para a mata atlântica que parecia ter se mudado para a nossa frente.
   — Acho que estávamos em uma elevação de terra quando caímos, aqui deve ser a parte baixa, ou a vegetação do lado da trilha… — Gabriel olhou em volta tentando achar mais alguma explicação coerente para aquilo.
   — E o que um buraco com a profundidade de um tobogã está fazendo no meio do caminho? — Olhei novamente para a saída do buraco, olhando dali aquilo tudo parecia ser apenas um barranco comum no meio do mato.
   — Eu sei lá, os fundos do parque estão mais abandonados que cemitério na madrugada. Ninguém deve pegar esse caminho a séculos, talvez a trilha esteja há um bom tempo sem manutenção. — Gabriel olhou ao redor, tentando se localizar — Se subirmos o barranco vamos voltar para a trilha, nós caímos, então a lógica só poderia ser, — Ele começou a tentar subir o barranco de terra — Subir de novo. Simples. — E ele continuou a subir a inclinação, quase escorregando na maioria das vezes, mas se mantendo firme em cima de alguma pedra ou outra.
   E eu? Claro que segui ele. Como sempre.
   Primeiro coloquei o pé sobre uma pedra para tomar impulso, e então tratei de subir. No começo parecia uma subida simples pela mata, mas depois se transformou em uma escalada que necessitava de unhas e dedos cravados na terra úmida e escura e os pés enfiados na lama para eu não voltar 5 passos para trás quando a altura começou a fugir do controle. Um passo em falso e eu voltaria para baixo rolando igual um barril.
  Pela primeira vez na vida, nunca odiei tanto, mas tanto, mas tanto, ter mudado de escola.

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