Café ao clima de velório

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- Estamos perdidos. - Apertei os dedos em volta das alças da mochila.
- Não, estamos em algum lugar onde não sabemos a localização. - Meu irmão levantou o celular para o alto pela 4° vez.
E eu pensei pela 6° vez em levantar a mão na cara dele, isso se não estivéssemos rodeados de mato até a altura da canela e com lama nos sapatos e nas meias. E ainda por cima com o clima contra o nosso favor com nuvens que ameaçavam começar uma tempestade a qualquer momento. Tudo por culpa do animal que sou obrigada a chamar de irmão.
O vento gélido e o clima úmido não ajudavam muito o meu senso de direção que já não era muito eficaz, e naquela situação...
- Ouviu isso? - Curvei o corpo quando algo se moveu entre os arbustos. Um som traiçoeiro e suspeito.
- Sim. A sua voz tirando a minha concentração. - Gabriel deu dois passos à frente e depois mais dois para o lado como se fosse receber um sinal divino da nossa localização através do GPS do celular.- Anjel, porque você não fica aí paradinha quietinha enquanto eu tento achar onde nós estamos nessa droga de...
Gabriel não teve tempo de terminar a frase antes de literalmente passar do chão.
Sim, meu irmão havia literalmente passado do chão como um coelho entrando em uma toca.
- Gabriel! - Gritei, e antes que eu pudesse dar o 3° na mesma direção, tudo ficou escuro.

UMA HORA ATRÁS

O sol se infiltrava aos poucos pela janela do quarto quando o ponteiro do relógio marcou 6:00 da manhã. Era a hora em que o despertador deveria tocar, mas não tocou. E o motivo tinha apenas 3 palavras: mês de março.
Eu e meu irmão moramos em Sarasota, na Flórida. É aconchegante no verão, e no inverno... Bem continua aconchegante. Mas ainda sim, eu e meu irmão e muitos outros estudantes gostam dos meses de março e abril.
E qual a razão disso?

Férias de primavera.

Duas semanas de recesso onde temos todo o tempo do mundo para pararmos de nos preocupar com qual roupas vamos para a escola no dia seguinte.
O problema é que eu havia me esquecido de contar quantos preciosos dias eu ainda tinha para ficar na cama até meio dia e maratonar minhas séries até às 2 da manhã segurando meu achocolatado na minha xícara de porcelana branca.
Mas quando se nasce com o capeta disfarçado de irmão gêmeo, pode estar de férias até mesmo em uma ilha deserta que ele ainda irá arrumar um jeito para infernizar a sua vida. E eu nasci com um desses.
- Se não quiser tomar um banho de balde de água fria, acho melhor acordar. - Disse meu irmão em seu belo tom amoroso.
Mentira, ele parecia um ogro desdentado tentando falar.
Com o meu historico da noite passada de ter ficado assistindo amores secretos episódio por episódio até às 2:30 da manhã, e ainda tendo o importante fato de não ter comido nada antes de dormir, de todas as maneiras desejadas eu só tinha uma para responder ao meu irmão.
- Vai pro inferno vai... - Tentei mandar meu irmão voltar para o possível lugar de origem.
A vontade era de mandar ir para outro lugar. Mas sofro da síndrome de quem tem a porta do quarto de frente pra porta do quarto da mãe.
- Depois de você maninha - Disse meu irmão momentos antes de arrancar-me o cobertor. - Levanta bela adormecida.
Dizem que alguns acontecimentos em nossas vidas são castigos ou pecados que estamos pagando. Me pergunto qual pecado cometi na barriga da minha mãe para Deus ter me dado um Gabriel de irmão.
- Sai daqui - Me pronunciei ao arremessar um de meus travesseiros na direção de Gabriel, ou pelo menos onde achei que ele estaria já que eu tinha um olho aberto e outro fechado que se recusava a abandonar o sono. - Me deixa dormir... - Resmunguei.
Me virei novamente para o lado e fechei os olhos como se a presença ou até mesmo Gabriel fossem desaparecer da minha frente, do meu quarto. Da minha vida seria pedir demais.
- Levanta. - Dessa vez meu irmão me arremessou meu próprio travesseiro de volta, e com força.
Tive uma dúvida constante junto à vontade de saber o que aconteceria se eu voasse no pescoço de Gabriel. Mas contive o desejo de tal experiência ao lembrar do peso das palavras " sem celular e lavagem de banheiro diárias se mais puxões de cabelos e objetos fossem arremessados de novo " Ditas e quase escritas nas paredes por nossa mãe, como se ela estivesse prestes a escrever o 11° mandamento nas paredes de casa.
- Por que diabos você tá me acordando uma hora dessas? Pirou de vez? - Me forcei a erguer a cabeça a alguns centímetros do travesseiro.
- A mamãe mandou te acordar mais cedo porque a princesinha aí demora muito pra se arrumar. - Meu irmão me lançou um olhar de desprezo.
- Me arrumar pra que? - Soltei um resmungo, voltando minha cabeça para meu travesseiro como se fosse um grande reencontro entre ambos. - Se for se mudar pro Alasca e for fazer uma festa de despedida em 3 minutos estou pronta.
Conhecendo Gabriel como conheço, ele devia estar parado com um olhar de um psicopata que está pensando se usa um machado ou uma serra elétrica.
- Durma o dia inteiro aí - Escutei os passos de Gabriel circulando pelo carpete do quarto - Pelo menos não vou ter que ver sua cara enrugada no caminho pra escola.

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