𝐶𝑎𝑝𝑖𝑡𝑢𝑙𝑜 𝑼𝑴

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Dentro daquelas paredes as pessoas costumam sussurrar que Keir pode ouvir tudo, que ele sabe de tudo, que não havia um único segredo que rodasse dentro da cidade que aquele homem não saberia

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Dentro daquelas paredes as pessoas costumam sussurrar que Keir pode ouvir tudo, que ele sabe de tudo, que não havia um único segredo que rodasse dentro da cidade que aquele homem não saberia.

Era por esse motivo que Thomas estava ainda mais apreensivo ao descer até o calabouço de sua própria casa. O filho mais novo de Keir se revirava dentro de sua própria pele enquanto apertava com força exagerada o molho de chaves em sua mão, torcendo para que nenhum barulho ou tilintar saísse. Correndo na ponta dos pés ele descia dois degraus de cada vez, a escada em caracol estreita e fedendo a mofo não tinha uma única fonte de iluminação, mas ele não se preocupava com isso, depois de ter descido e subido nela por anos a fio, centenas de vezes por dia, ele tinha cada degrau e depressão, cada falha nas paredes cravadas em sua alma.

Suas pernas tremeram quando chegou ao fim, no corredor húmido e igualmente escuro. Sem uma única janela ou mesmo magia para limpar aquele ar o calabouço era quente e fedido, tão escuro que mesmo seus olhos acostumados a falta de luz levavam minutos consideráveis para distinguir a mínima silhueta de algo a frente, mas assim como na escada, ele tropeçou para frente com uma confiança inabalável, sentindo através das botas de couro espeço as marcações que um dia fez, pequenos buracos nas pedras do chão que o levavam até a última cela do lugar, buracos pequenos demais para alertar seus irmãos mais velhos ou pai.

- Dea? - ele sussurrou para a escuridão por trás das barras de ferro espeço - Você está acordada?

Sua tentativa não obteve resposta e ele bufou puxando a chave previamente separada em seus dedos, encaixando na fechadura ele girou e puxou as grades barulhentas entrando na cela escura. Seu nariz franziu com o cheiro pútrido que emanava daquele lugar, os dejetos no chão em um canto esquecido por Deus, a ossada limpa em outro canto, ossos de uma Illyriana que um dia foi usada e abusada por seu pai, ossos da mãe de uma garotinha que Thomas se julgava louco por se importar tanto.

Do outro lado da pilha de ossos e dejetos estava o corpo pequeno e encolhido de sua meia irmã mais nova, com as asas majestosas presas por correntes de ferro feérico enroladas nela ainda em brasas, mesmo inconsciente a pequena mestiça tremia e se debatia com a pele fria e soando. Thomas engoliu seco e se aproximou usando sua pouca visão para distinguir os cabelos compridos e pegá-la no colo da maneira correta, os membros da menina caíram flácidos e sem força dentro de seu aperto e ele se engasgou, precisava tirá-la dali imediatamente se ainda quisesse que ela vivesse por mais um dia.

- Vai ficar tudo bem! - ele jurou para o corpo inerte - Eu vou te tirar daqui Dea, você vai ficar bem eu prometo!

Ele voltou o caminho todo batendo os pés no chão para achar as pequenas marcações, no fim do corredor ele precisou virar a menina para segurá-la pelas coxas e deixar a cabeça dela em seu ombro, a escada estreita o impedia de ter a estabilidade precisa enquanto subia lentamente os degraus em uma tortura dolorosa, não havia como ele ser rápido agora, se topasse com um dos irmãos ou até com o pai, ele estaria morto antes mesmo que pudesse implorar misericórdia.

A pequena mestiça gemeu em seu ombro e ele sibilou como se sentisse a mesma dor dela, cada passo acima era considerado por ele sua jornada de redenção. Ao fim da escada ele não seguiu o estreito corredor até a porta da frente por onde ele entrou, usando a janela na parede esquerda previamente aberta por ele, Thomas deixou a menina meio pendurada enquanto se lançava para fora. Era uma queda de mais de seiscentos metros até o fim da montanha, tudo que ele tinha era uma beirada de quarenta centímetros de largura em que seus pés mal cabiam, Thomas não tinha asas ou garras, qualquer que fosse a melhoria evolutiva para esse tipo de situação havia sido dada a outras pessoas, tudo que o garoto de trezentos anos tinha era um amor incondicional pela pequena irmã e força de vontade devastadora correndo em suas veias.

Quando ele a agarrou outra vez e a puxou para fora, seu pé esquerdo deslisou e a menina foi o peso que o arrastou para baixo, seus braços protetores agarraram a garota a prendendo contra si e ele se colocou de costas entre a irmã e a pequena inclinação da montanha. Ele rosnou enfurecido com suas costas que começavam a ficar em carne viva enquanto deslizava pela pedra cinzenta metros e mais metros abaixo, uma trilha vermelha acompanhava ambos os corpos até que em um baque os pés do menino toparam com a próxima beirada, ele se abaixou e absorveu o impacto impedindo que ambos voassem o resto da montanha.

Grasnando com suas costas em chamas, Thomas segurou mais forte a pequena fêmea e tomou dois minutos para respirar antes de começar a andar de lado sentindo a beirada se inclinar levemente descendo a extensão mortal da Montanha Escavada. O vento gelava as bochechas brancas e pálidas do macho enquanto rezava ao Caldeirão que saíssem de lá com vida, ele não havia tirado a pequena da cela escura para que ela morresse na queda, tão próxima de conquistar o sol.

- Dea? - ele chamou esperançoso mesmo sabendo que ela não o responderia - Dea você pode sentir? Consegue sentir esse calor no rosto? É o Sol Dea, eu consegui te trazer para ver o Sol. - Os olhos verdes do rapaz começaram a lacrimejar tanto de dor quando por uma emoção muito mais primordial - Abra os olhos Dea... você precisa ver o Sol, por favor.

Ele resmungou de dor, mas parou de se mexer e de respirar quando notou o pequeno movimento de cílios na pele de seu pescoço, desajeitadamente ele se afastou para contemplar a menina abrindo seus pequenos olhos tão azuis que poderiam se confundir com o roxo. Thomas nunca teve a chance de ver os detalhes de sua pequena durante os dezoito anos dela e se deixou ficar contemplando enquanto a menina o encarava por um longo minuto e depois olhava de canto para a imensidão azul do céu atras deles, ambos ficaram quietos por um instante antes de ela fechar os olhos outra vez e tombar sem forças contra o irmão.

- Não! Dea, pela Mãe, nós estamos perto! Não desista agora por favor!

O Grão-Feérico nunca sentiu seu coração bater tão rápido quanto bateu nas horas em que desciam a montanha, ele não parou de falar com a menina nem um único segundo, suplicando para que ela resistisse, contando-lhe histórias, pedindo para que olhasse para o céu azul e sentisse o sabor do vento. Ela estava morrendo e ele não queria aceitar esse terrível fato.


Era a manhã do sétimo dia quando o rapaz finalmente começou a cambalear pelas ruas de uma cidade estranha para ele, sabia seu nome, Velaris, a cidade que Rhysand lutou para esconder de seu povo, a cidade dos Sonhos e o único lugar que poderia trazer sua pequena para que ela ficasse em segurança. Ele passou muitos meses mapeando toda a Corte Noturna em busca desse lugar, em busca de um refúgio para ela e se desse sorte, para ele também.

Seus pés faziam barulho nos paralelepípedos da calçada, as ruas ainda estavam desertas e ele andou mais um bom pedaço antes uma porta se abrir e uma mulher de pele azul e cabelos negros, presos em uma trança elaborada, sair na rua lançando um balde de água no chão, o sorriso de dentes pontudos dela morreu quando virou seus olhos e topou com as duas figuras moribundas.

- Oh! Pela Mãe! - ela exclamou deixando o balde de madeira cair no chão a seus pés.

- Por favor... chame Rhysand... - Thomas exclamou antes de tropeçar para o lado e se escorar na faixada de uma das casas.

Ele havia sobrevivido a sete dias de água de riachos e frutinhas, sete dias andando quase sem descanso com sua irmã no colo, ele não cederia agora, não cairia antes de saber que ela estava segura e bem.

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Corte de Herdeiros e CaosOnde histórias criam vida. Descubra agora