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Andamos por mais um bom tempo, o suficiente para que American pie (que são quase nove minutos de música) acabar e começar a tocar outra, "garota de Ipanema", na hora que a música começou a tocar, reparo como a letra descreve muito bem Olívia.

"Olha que coisa mais linda,
mais cheia de graça.
É ela, menina que vem, que passa.
No doce balanço
a caminho do mar"

Olho pra ela enquanto a música continua, e, por causa do escuro da rua, ela não percebe, continua andando, cantarolando baixinho.

"Ah, se ela soubesse que quando ela passa,
o mundo inteirinho se enche
de graça,
e fica mais lindo por causa do amor"

Estava tão entretido com meus pensamentos que quase esbarrei em Olívia quando ela parou de repente. Virou no beco iluminado do lado da lanchonete que marcava 03:58 da madrugada, a segui.

  — Chegamos — Me olha com um sorriso animado e a encaro confuso.

— Chegamos onde, não tem nada aqui —

Ela revirou os olhos e sorriu, pegou minhas bochechas com uma mão e virou minha cabeça pro lado, na direção do muro.

— Olha pro lado, espertão —

O muro estava todo grafitado. Haviam nomes de pessoas, desenhos, declarações de amor e homenagens para pessoas que faleceram.

— Se chama "muro das memórias". A vários anos as pessoas escrevem nele pra eternizar lembranças, mas viemos com outro propósito. — Ela olha pra mim, seus olhos brilhavam de animação e a única covinha, no canto esquerdo do lado da boca, parecia iluminar mais o lugar do que os postes falhados.

Ela tira uma caneta do bolso, daquelas que são usadas pra escrever em paredes.

— Nós... — Ela faz um suspense — Vamos deixar nossa marca no mundo.

Penso por um instante.

— O que? — Acho que ela pirou de vez.

Ela faz uma cara de tédio. Parecia indignado por eu não ter entendido.

— Qual é. Você nunca viu, sei lá, "Por lugares incríveis"? — Ela se refere ao filme, mexendo os braços freneticamente. — Vamos ser tipo o Finch e a Violet, só que sem a parte em que ele morre. — Faço uma cara de confuso. Será que ela sabe que o Finch e a Violet são um casal?

Ela olha pro céu e pensa em um jeito melhor de explicar.

— Olha, essa parede tá aqui a mais de meio século. Ela é quase um monumento histórico e provavelmente não vai ser destruída. — Conta devagar. — Vamos deixar uma marca nossa na parede pra que as próximas pessoas que vierem aqui possam ver. E mesmo que nem percebam, ainda vai restar algo nosso no mundo quando morrermos.

Começo a entender. E entendo a comparação com o filme, e indo nessa ideia, estendo a minha mão na direção da caneta e ela a entrega a mim, um choque percorre todo meu braço quando sua mão encosta de leve na minha. Acontece devagar, e mantemos contato visual o tempo todo. Sou o primeiro a desviar o olhar ao chegar perto da parede.

Começo a escrever com letras grandes bem no meio, para que fique bem destacado.

Ela apenas me o serva, enquanto escrevo com a letra mais caprichada possível, e então terminei.

"Olívia e Kaua estiveram aqui"

Não era uma frase longa, mais tinha um significado enorme. Olhei pra Olívia e ela estava sorrindo, olhando pra frase, ao som de "Velha infância".

Parecia perfeito, tudo parecia perfeito, a noite, as palavras, o clima, as músicas... ela.

Passamos um tempo assim, eu olhando pra ela e ela olhando o muro, em um acordo d telepático de silêncio, não precisávamos falar, o silêncio bastava. Seus olhos passeavam por todo muro, demorando mais em frases longas, mas uma prendeu sua atenção. Ela se aproximou de mim e apontou pra uma frase do lado da nossa. Era uma declaração de amor, e dizia:

"Ainda lembro da música que tava tocando
quando meus olhos encontraram
os teus...
(Sanfona de "Quando bate aquela saudade)"

Seus olhos brilhavam.

— Que lindo — A observava, já repararam que eu a observo demais? É que Olívia é uma daquelas pessoas que você nunca vai se acostumar com a beleza dela, sempre que você vê-la você já pensa "nossa como ela é linda".

Ela me encara de volta, suas sobrancelhas se levanto levemente, como se tivesse acabado de ter uma ideia.

Correu até o relógio da lanchonete ao lado.

— São 4:47, faz um pedido — Voltou calma, quase aliviada, se aproximando da parede e sentando no chão. Sento ao seu lado.

— Não é com número igual no relógio que faz pedido? — Pergunto.

— Então, isso é o que todo mundo pensa — Me olha feliz, parecia animada em explicar o porque. — Eu já fiz pedido em tudo quanto é hora igual, 12:12, 04:04, 18:18, e nunca deu certo — Continuou — Aí, um dia eu me revoltei, resolvi fazer um pedido em uma hora "x", tipo 22:23, não deu certo. — Ela gesticulava bastante com as mãos enquanto falava, as vezes mechando no anel de prata que usava no dedo mindinho — Aí todo dia eu foi tentando em uma hora diferente, 22:24, 22:25, e nada. — Ela faz uma pausa — Eis que pedi 04:47 e funcionou, então assim, tá comprovado, 04:47 é a melhor hora pra se fazer um pedido. — Ela pegou minha mão e me olhou seriamente — Só que assim... é segredo, só tô contando pra ti porque tu é tu. — Ela sorri.

E sorrio mais ainda por saber que ela me considera tão importante pra ela quanto ela é pra mim. Sempre fui conhecido por amar demais, sempre coloquei as pessoas que me trocariam muito fácil no topo, costuma machucar.

— Para de ficar me encarando e faz logo o pedido, boco — Ela ri e fecha os olhos.
Fecho os meus também e faço meu pedido.

— O que você pediu? — Perguntei curioso, mas envergonhado pelo meu pedido.

— Não posso falar, se não, não se realiza. — Solto um "ah" dramático, e ela ri.

Olívia se levanta e estende a mão pra mim.

— Conheço um lugar bom pra ver o sol nascer, vem comigo — Seguro sua mão e andamos até o tal lugar.

Chegamos em outro muro (essa gente tem uma tara por paredes né) que tinha uma escada encostada, não muito grande, já que a casinha não era muito alta.

Olívia começou a subir e apenas a acompanhei.

Quando sentamos no telhado, o sol começou a nascer, o seu ficou meio alaranjado e era lindo, naquele momento senti como se o mundo fosse nosso. Apenas meu e dela.

Olívia juntou as pernas e as abraçou na frente do corpo, se inclinou levemente e apoiou a cabeça em meu ombro.

Em silêncio, vimos o sol surgir.

Garota de Ipanema Onde histórias criam vida. Descubra agora