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A aula acabou e estávamos voltando para casa. A pé, porque o Tio Marcos deu um jeito de em menos de seis horas quebrar o carro. Mas enfim.

— Ei, como você sabia que eu gosto de skate? — Pergunto a Olívia, que estava alheia ao mundo até agora.

— Ah, ontem eu me ofereci pra ajudar a sua mãe a tirar as coisas da van. — Ela fala olhando pra cima, com os olhos um pouco fechados por causa do sol — Tirei o skate e perguntei de quem era, ela falou que você amava andar de skate. — termina me olhando e sorrindo — Eu também gosto. O Henrique me ensinou a um tempinho.

— Que legal — Um silêncio um pouco desconfortável prevalece.

— Príncipe? — Pelo visto o apelido realmente pegou. Respondo com um "hum" e ela continua — Você costuma dormir cedo?

Que pergunta mas aleatória.

— Nem sempre. Na verdade, lá em SP eu e uns amigos costumávamos ficar na rua até de madrugada andando de skate e grafitando muros — Respondo, tive um deja vu.

Ela olha pra frente com um sorriso e murmura baixinho um "legal". O que você vai aprontar Olívia?


Chegamos em casa e eu fui direto tomar banho. Ainda tinha as palavras de Olívia na cabeça. No que será que ela tá pensando.

Acho que sempre tive facilidade de identificar o que as pessoas estão pensando. Mas com Olívia é diferente, tudo que ela faz e fala parece um mistério. E isso a faz interessante.

Termino meu banho e vou dar uma revisada no conteúdo das aulas de hoje. Pra compensar as minhas notas não tão boas do ano passado vou tentar me esforçar mais esse ano, já dizia minha mãe, nova cidade nova vida, né.



São 01:24 da noite e ainda não consegui dormir, minha mente não desliga, e fico pensando em tudo que já vivi até agora. Então escuto um barulho de pedrinhas na janela.

Quando me levanto pra ver o que é, vejo Olívia na minha janela, me olhando de baixo, com um short e um top preto junto com uma camisa xadrez marrom por cima. Ela tinha algumas pedrinhas na mão e me olhava com um sorriso largo.

— Se arruma, a gente vai sair — Fala meio alto, mas não o suficiente pra acordar alguém.

— Sair? Sair pra onde? — Pergunto confuso.

— Você vai já descobrir. E pega seu skate. — depois disso ela some da vista.

Coloco uma roupa normal e desço devagar com meu skate pra não fazer barulho.

Abro a porta da frente e vejo Olívia, com um skate nas mãos e a chave da porta.

— Hoje eu vou te apresentar o Rio príncipe — Da um sorriso e sai andando. Logo vou atrás.

— Sua mãe sabe que você tá saindo no meio da madrugada? — Me preocupo com a reação da minha mãe ao acordar e eu talvez não estar lá.

— Não. Mas ela já tá acostumada. Eu costumo sair de madrugada um dia ou outro, eu só deixo um recado. — Ela chega perto de um orelhão e pega o telefone digitando um número.

— Porque você usa um orelhão em vez do celular? — Percebo que deixei o meu em casa. Acho que é melhor assim, menos perigo de ser assaltado.

— Eu não tenho celular — Responde simples, com o enorme telefone em sua orelha esperando alguém atender. Faço uma cara de espanto. Como assim ela não tem um celular? Ela ri da minha cara como se já esperasse essa reação — Meu pai diz que eletrônicos queimam os neurônios. Não sei se é verdade mas, meu pai é muito inteligente, ele não costuma errar — Concordo que o pai dela seja uma pessoa muito sábia, mas... sem celular?

O telefone da na caixa postal e pede pra ela mandar um recado, é o que ela faz.

— Oi mãe, eu saí de madrugada tá bom. Eu tô com o Kaua e a gente vai ver o sol nascer, então não se assuste caso vocês acordem e a gente não esteja. Beijo, amo você. — Acho que minha mãe vai surtar amanhã de manhã, mas isso parecer ser muito divertido.

Nós saímos de perto do orelhão e caminhamos um pouco até uma pista de skate.

— Essa é nossa primeira parada. — Olívia me dá um sorriso e sobe na rampa pegando impulso e deslisando sobre o skate. Me animo e subo no meu também.

Ficamos um tempo só andando até que ela para, tira um toca fitas do bolso e senta no chão enquanto eu continuo andando.

Ela liga o toca fitas e começa a tocar "oi" de Lagum. E parando pra pensar a música combina com o momento.

"Oi, liguei pra dizer que hoje eu não
vou voltar
Não me espera em casa, não deixa o jantar
Que hoje eu vou sair pra ver
o outro dia amanhecer
Tô ligando pra dizer um oi."

Olívia levanta e começa a cantar a música e dançar levemente, quase brincando, o que me faz rir e cantar também.

Se passaram mais três músicas e Olívia estava apenas sentada me observando.

Estava alheio em meus pensamentos. Já disse como andar de skate é quase como um terapia? É tão maravilhoso.

Nem percebo quando ela se levanta novamente e vem em minha direção. Paro e a olho.

— Me ensina alguma coisa do skate? — Fala calma.

— Claro — Fiquei animado com a ideia de ensinar algo a ela.

Resolvi ensinar pra ela um Frontiside Shove-it, porque ela já sabia todos os mais básicos.

Ela caiu nas primeiras vezes e demos muitas risadas, acho que nunca ri tanto na minha vida.

Até que em um tentativa ela quase conseguiu, quase mesmo, mais no final ela tropeçou e caiu, na verdade quase caiu, antes que suas costas encostassem no chão, a segurei pela cintura e ela passou um dos braços pelo meu pescoço, o outro segurou minha blusa com força.

Fiquei um tempo analisando seu rosto, enquanto ainda a segurava, ela deu um sorriso.

— Acho que você já pode me soltar — Fala se levantando e me afasto dela rapidamente.

— Desculpa — Gaguejo um pouco. Merda

Fico com muita vergonha e ela começa a rir.

— Vem, vamos pra segunda parada — Ela pega o tocador de fita e o pendura na barra do short. Agora estava tocando "American pie".

Garota de Ipanema Onde histórias criam vida. Descubra agora