3. Prisioneiro

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Havia um casebre em chamas. Sempre havia. Também sempre havia um menino. Clarões vermelhos tomavam conta da visão do menino enquanto ele tentava se enfiar por debaixo dos escombros de madeira e pedra, na tentativa de sair daquele lugar. Estava muito quente, tão quente que por um momento desejou estar coberto de neve e não de fuligem. Empurrou com força um pesado móvel para o lado e conseguiu abrir passagem para o meio do cômodo, que percebeu ser a cozinha de sua casa. Em chamas. Panelas estavam espalhadas, os vasos de barro de sua mãe destruídos, as ervas e grãos tomavam conta do chão.

"Mãe!", gritou o menino a todos os pulmões. "Pai!".

Ninguém respondeu.

As chamas engoliam as paredes, a madeira estalava. O menino não tinha para onde ir. O teto havia desmoronado e acima de sua cabeça o céu estrelado parecia muito distante, bem longe entre as labaredas. Assustou-se quando foi puxado para cima por duas mãos firmes e antes que pudesse pensar em gritar, perdeu o fôlego.

Tudo escureceu.

Via agora, bem distante no horizonte, montanhas. Tudo era tão estranho naquela paisagem. Sentia que algo o chamava em direção a elas e quanto mais as observava, mais próximo delas ele ficava. Era como se caminhasse através do ar, transposto pelo vento que lhe soprava os cabelos. Bem acima, no pico mais alto, uma luz brilhava. Quando estava quase a alcançá-la, a mesma força que o chamava para lá o puxou para baixo, em queda livre, em direção ao mar sem fim. Era como morrer.

Johan acordou em um pulo, assustado. Imediatamente outras duas sensações lhe preencheram o peito: primeiro o alívio, estava vivo e bem, e segundo o pavor, estava em um lugar que não conhecia. Tentou lembrar-se dos últimos acontecimentos, mas em sua memória estavam ainda gravadas as imagens daqueles sonhos que lhe perseguiam desde a infância. Não sabia dizer porque se assustava com o incêndio que lhe roubara os pais, já fazia tanto tempo. Talvez fosse o trauma. Já não se lembrava de seus rostos. Ainda assim, sabia que aquela não seria a última vez. Tentou colocar os pensamentos no lugar. Aliás, que lugar era aquele?

Estava deitado em uma cama enorme. Lençóis brancos lhe cobriam as pernas e ele podia sentir um aroma doce no ar. O cômodo era luxuosamente mobiliado, a cama em seu centro, armários e janelas preenchiam as paredes. Não conseguia avistar paisagem alguma através dos parapeitos, lá fora tudo era céu. Percebeu com estranheza, e tardiamente, que não estava completamente vestido, só uma faixa de tecido escuro lhe envolvia parte do tronco, mas não sentia dor. Havia se acidentado? Se aquele local fosse uma casa de cura, não deveria ter curandeiros transitando? Talvez outros doentes? Sentia-se bem e descansado, parecia ter dormido por toda uma eternidade, mas não conseguia lembrar de ter se deitado.

Ao lado da cama estava montada uma mesa com diversos alimentos. Johan notou que o aroma adocicado vinha de uma bebida que provavelmente havia sido preparada há pouco, pois ainda estava quente. Foi quando percebeu que tinha fome, também não se lembrava da última vez que havia se alimentado. Pensou em pegar uma fruta entre as várias que preenchiam uma cesta colorida, mas seu juízo o impediu, não poderia aceitar nada que viesse daquele lugar enquanto não soubesse o que estava fazendo ali e como havia chegado àquela cama, todo enfaixado. Quando estava prestes a se levantar e espreitar por uma das janelas, uma pessoa entrou apressada no cômodo.

"Ah, você finalmente acordou", ela disse. A mulher vestia uma túnica branca acinturada por uma larga faixa dourada que, diferente da simplicidade do tecido, era ricamente adornada. "Precisa comer alguma coisa."

Johan estranhou seu sotaque, não era ghäleno, mas também não entregava pista alguma sobre onde estava — não serviu de nada para lhe ajudar a se localizar na geografia de Daeva. Estava perdido.

"Onde estou e quem é você?", ele lançou. A mulher franziu o cenho.

"Oras, não se lembra? Meu nome é Lisa, sou a Administradora de Alto Castelo. Por acaso enlouqueceu? Ajudei a te carregar até aqui ontem, você me xingou de trinta nomes diferentes. Seus ferimentos foram curados graças à ajuda de Vossa Grandeza Allana.

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⏰ Última atualização: Mar 26 ⏰

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