Alguns personagens e acontecimentos narrados aqui foram mencionados na série literária Perdidas Numa Noite Suja, em especial, em seu primeiro volume: Festa de Halloween. Ambos são o que se pode chamar de "romances gêmeos" porque foram desenvolvidos praticamente na mesma época e compartilham alguns personagens e acontecimentos comuns. Contudo, o fato de serem gêmeos, não quer dizer que a leitura de uma obra seja necessária para compreensão da outra e vice-versa. Podemos dizer que são gêmeos "bivitelinos" porque, apesar de ambos terem alguns personagens comuns e de se fazerem referência a alguns acontecimentos comuns, tratam-se, na verdade, de duas histórias independentes (tanto na forma quanto no conteúdo) onde a leitura de ambas pode ser feita separadamente sem prejuízo de compreensão de cada história.
Ao contrário do cinema, trazer histórias independentes compartilhando o mesmo universo ficcional, ou mesmo transpor personagens de uma história para outra, sem que esta seja necessariamente uma sequência ou uma prequel da anterior, não é uma novidade em literatura, mesmo na literatura brasileira. O personagem Quincas Borba, por exemplo, aparece em duas histórias independentes de Machado de Assis Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba; José de Alencar atribui o mesmo personagem fictício como narrador de três obras independentes Cinco Minutos (onde o narrador também aparece como personagem principal), A Viuvinha e O Guarani, além de fazer seu protagonista Paulo de Lucíola, reaparecer como interlocutor para dar início a narrativa de Diva.
Contudo, as séries literárias ou mesmo o recurso de narrar aventuras diferentes do mesmo protagonista tornou-se uma tendência que está relacionada ao fato de hoje a arte literária está cada vez mais subordinada à dinâmica do mercado editorial sem que, muitas vezes, haja uma mediação artística por parte do escritor. Neste contexto, ele passa a produzir diretamente tendo em vista as tendências deste mercado. Tal tendência começou lá fora desde o século XIX e no Brasil ganhou maior sistematicidade com a entrada dos livros digitais através da Internet.
Através dos últimos dois séculos, escritores e escritoras como Sir Arthur Conan Doyle, Agatha Christie, J.K. Rowling com seus Holmes, Hercule Poirot e Harry Potter, descobriram que recorrer aos mesmos personagens, seja em histórias sequenciais ou mesmo independentes, era uma ótima receita para ganhar dinheiro com literatura. Se formos para a literatura americana, aí perderemos as contas, já que vários dos escritores yankies são conhecidos muito mais por seus personagens mais recorrentes do que pelas histórias que estes protagonizam. Basta falar em Tom Clancy e Dan Brown, por exemplo, para imediatamente lembrarmos, respectivamente, de Jack Ryan ou John Clark e Robert Langdon.
Contudo, a tradição de contar histórias sequenciais atendendo a critérios não apenas mercadológicos, como também a busca em acrescentar mais elementos de originalidade artística, trouxe também muitas experiências bem-sucedidas em vários gêneros da literatura contemporânea. Alguns dos casos mais felizes aonde a unidade do universo ficcional não prejudicou a independência das obras, nem a qualidade artística delas foram Tolkien com sua Terra-Média (a trilogia O Senhor dos Anéis, O Hobbit, Tom Bombadill e todas as histórias independentes que alimentaram a construção de seu mundo de fantasia) e Balzac em sua Comédia Humana: uma síntese da França da primeira metade do século XIX. Eu poderia também mencionar aqui o trabalho do mestre da ficção científica Isaac Asimov em A Fundação, mas aí já nos alongaríamos demais.
Certamente, aqui no Brasil, ambição mais famosa e mais bem-sucedida (de crítica e de público) de realização de um universo ficcional orgânico em literatura brasileira foi a série O Tempo e o Vento de Érico Veríssimo, embora o grande público conheça – por conta das duas adaptações globais, (a primeira para a T.V e a segunda para o cinema) – apenas a primeira parte dela.
Da minha parte, não alimento pretensão de fazer nenhum universo compartilhado a partir destas duas histórias. A ligação entre personagens comuns em ambas se justifica pelo fato de que ocorreu um caso raro onde duas narrativas diferentes dialogam entre si, algo que só me dei realmente conta quando as duas já estavam em processo de desenvolvimento. Se estas personagens, ou outras, poderão ou não reaparecer em obras futuras é algo do qual eu não faço ideia no momento.
Vejamos o que o futuro nos aguarda.
Michael Melo Bocádio
VOCÊ ESTÁ LENDO
O GRANDE IRMÃO OU A VERDADE SOBRE FERNANDA CLIFFORD
Mystery / ThrillerNuma noite chuvosa, o cadáver de uma mulher é encontrado num motel nos confins da Região Metropolitana de Fortaleza. O que ela estaria fazendo ali? Teria sido levada contra a sua vontade? Quais as circunstâncias de sua morte? Essas perguntas, soam a...