Capítulo Único

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   Suspirei, encarando a parede à minha frente, enquanto esperava alguém chegar.

   Era meu aniversário. Dias atrás, eu havia convidado meus amigos para bebermos um pouco e comemorarmos: Alhaitham, Tighnari e Cyno. Mas nenhum deles estava aqui, e faziam duas horas que eu estava os esperando.

   Dei uma olhada dentro do meu copo de vinho, já vazio. Talvez eu devesse beber mais. Mudei de ideia após voltar meu olhar para a garrafa do líquido — que eu havia comprado especialmente para hoje e já estava pela metade — me perguntando se eles haviam lido o horário errado, ou pior, eu havia escrito dez horas ao invés de oito.

   Um pensamento cruel me ocorreu: eles não vêm. Mas não o afastei como das últimas vinte vezes que ele veio a mim. Afinal, por que eles viriam? Eles provavelmente tem uma dúzia de outras coisas mais interessantes para fazer do que comparecer à minha chata comemoração. Aliás, que graça havia em comemorar que você ficou mais velho? Só ficamos cada vez mais perto da morte, não é?

   Derrubei sem querer meu copo ao cruzar meus braços, me perguntando por que eu me esforcei tanto para escrever com uma letra bonita nos cartões. Por que eu puis tanto amor neles?

   O que meu coração me perguntava mesmo era: Eles não gostam de mim?Bem, aparentemente não.

   Suspirei enquanto recolocava o meu copo de pé. Não adiantava ficar bravo. Não os culpava por não comparecer. Mas será que não podiam ter feito um mínimo esforço? Eu me esforcei tanto... Antes que eu pudesse segurá-las, lágrimas rolaram pela minha face. Mais um motivo pelo qual eles podem não gostar de você, disse minha mente. Você é um chorão.

   Enterrei meu rosto nos braços. Eles são cruéis. Tudo bem, eles tem trabalho, mas eles já deveriam ter saído, certo? Ninguém trabalha às dez. Nem mesmo Alhaitham se deu ao trabalho de comparecer, e a casa é dele.

   Talvez não tenha o que fazer, eu sempre fui uma decepção mesmo. Esse é só o jeito deles de me dizer isso; não que Alhaitham não faça questão de me lembrar disso diariamente.

   Não percebi quando dormi, mas acordei com algo quente cobrindo minhas costas. Levantei a cabeça, ainda meio grogue. Que horas eram? Voltei meu olhar para o relógio, mas o fiz rápido demais e fiquei um pouco tonto. Assim que a sensação passou, consegui ver o horário: eram duas e vinte e três da manhã.

   Finalmente, percebi o que me cobria. Um casaco. Ele me era familiar... pertencia a Alhaitham. Ele chegou do trabalho? Virei-me quando ouvi um barulho no corredor.

   Lá estava ele, ainda com suas roupas de trabalho, parecendo completamente exausto. Mesmo assim, exibia um raro, ainda que pequeno, sorriso nos lábios. O que o fez sorrir desse jeito?

   — O que foi? — Perguntei, já que ele me encarava calado. Minha voz estava um pouco rouca, talvez por eu ter acabado de acordar. Queria que fosse por outro motivo, como ter falado alto demais na comemoração.

   — Você — Quase imperceptivelmente, mas não para alguém observador como eu, seu sorriso aumentou.

   Franzi a testa. O que tem eu? Dei uma olhada em minhas roupas. Eu estava do mesmo jeito que adormeci, exceto pelo casaco que cobria meus ombros.

   — Eu o quê?

   O platinado apontou para a mesa onde se encontravam a garrafa de vinho e meu solitário copo vazio.

   — Realmente achou que eu ia deixar você comemorar sozinho? — A graça sumiu de seu sorriso — me seguraram hoje no trabalho. Tighnari está muito doente e Cyno está o acompanhando na enfermaria. A maioria das pessoas de lá tiveram que trabalhar o dobro para cobrir a parte deles.

   Engoli a seco. Fazia sentido.

   Mas, ainda assim, não era mais meu aniversário.

   Peguei meu copo por cima e levantei-me. O casaco escorregou dos meus ombros e ficou pendurado na cadeira por uma manga.

   — Não há mais nada a comemorar. Sinto muito que não pôde vir mais cedo — disse secamente.

   Dirigi-me à cozinha de cara fechada e lavei o copo. Alhaitham surgiu atrás de mim, com a garrafa de vinho na mão.

   — Ei, me desculpe. Sério. Eu viria mais cedo se tivessem me liberado.

   Ignorei-o e coloquei o copo limpo no escorredor de louça. Ia andando para o meu quarto, com deitar na minha cama e dormir até às dez da manhã na minha mente, quando Alhaitham agarrou meu pulso.

   — Kaveh.

   Soltei meu braço de seu aperto.

   — Eu já disse, não há mais nada a comemorar — virei-me para ele com uma ligeira irritação. — Agora, se não se importa, vou para o meu quarto — retomei meu caminho, mas, novamente, ele me segurou.

   Encarei-o com um olhar feroz para gritar com ele ou algo parecido, estava cansado e magoado. Mas ele me surpreendeu, puxando-me para um beijo, sua mão livre segurando minha bochecha.

   Por uns segundos, meu cérebro não soube como reagir. Mas logo que tomei consciência do ato, retribui o beijo. Aparentemente, ele também se surpreendeu, pois separou nossos lábios pouco depois.

   Encarei-o por uns segundos, não conseguindo encontrar uma explicação para o que fiz, nem para ele ter feito isso tão repentinamente. A única coisa que passava por minha mente eram meus sentimentos, que há muito eu vinha reprimindo, com o pensamento de que ele nunca retribuiria meus sentimentos. Mas ele me beijara. E eu retribuira.

   Ele estava um pouco corado, e provavelmente eu também.

   Finalmente, abri um sorriso. Não consegui segurá-lo, foi involuntário. A minha falha comemoração, por incrível que pareça, não estava mais na minha mente.

   — O que isso significou? — Perguntei, pensando se eu não estaria sonhando isso.

   Ele pois a garrafa de vinho no balcão e segurou-me pela cintura, olhando em meus olhos.

   — O que você acha que significou?

   Não precisei responder; ele me beijou novamente.

Pity Party - Why Kaveh can't host parties.Onde histórias criam vida. Descubra agora