Capítulo 3

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MANHÃ DE QUINTA-FEIRA, o sol está preguiçoso no céu de Uberaba e Heitor está começando a sentir os sintomas da noite não dormida. A primeira aula está quase no fim, a professora de biologia explicava como seria a dinâmica do trabalho que a turma teria que fazer em grupo.

- Ei, cara! Acorda! - Fala Saulo tocando no ombro do seu amigo que cochilava entre as explicações da professora. Saulo é um adolescente de pele morena, cabelos longos e volumoso formando ondinhas, os olhos são claros, tem o peso acima do esperado para alguém da idade dele. Ele era a única pessoa na qual Heitor tinha proximidade, talvez por ele ser outro excluído também. Na realidade, Saulo é um menino gentil, sarcástico que faz as pessoas sorrirem, mas o fato dele ser gordo, faz com que seus colegas não o veja como ele realmente é e sim como um poço de chacota.

Heitor apenas levanta o antebraço em sinal a seu amigo de que estava acordado.

A professora explicava. - Agora que vocês sabem que o trabalho será feito em duplas e que eu dedicarei dois horários para as apresentações, vamos à distribuição das duplas mediante sorteio.

- Ahhhhhhh não prô. - A turma disse em um couro.

- Eu sei que vocês já têm suas duplas formadas, mas no dia a dia, somos colocados para trabalhar com diferentes pessoas e precisamos saber como lidar com nossas diferenças.

- Tudo bem, prô, desde que eu não fique com os esquisitões da turma. - Anie gritou estridente do fundo da sala. Ela é a menina mais popular da turma, todos os garotos são caidinhos por ela. Tem os peitos medianos, firmes, no lugar, o cabelo é longo e loiro, lábios finos, olhos claros, pele clara. Anie é magra, é dona de uma bunda levemente volumosa. Gosta de usar o cabelo solto e as vezes preso em um rabo de cavalo que lhes caia muito bem, nos lábios um batom com brilho com tonalidade forte.

- Uhhhhh. - Outro couro da turma. Heitor sentiu que seus colegas o fitavam com o olhar, pois sabia que ele era um dos esquisitões que Anie se referia, ele e o Saulo. Que saco! Pensou.

- Silêncio! - Ordenou a professora adotando um tom mais rígido. - Todos na turma têm capacidade para realizar o trabalho, Anie.

- Eu sei, prô, mas você já imaginou o nojo que seria fazer esse trabalho com o Saulo? - Cínica, falava descaradamente sem demonstrar a menor humildade com o garoto que estava ali ouvindo tudo. Heitor sentiu suas orelhas esquentar.

- Qual teu problema, garota? - Heitor pergunta irritado, mas não perguntou esperando resposta verbalizada, esperava que ela se colocasse em seu lugar. Risos começaram a ecoar nas várias direções da turma.

- Você até que é gatinho, Heitor, mas é amigo desse cara. - Beatriz amiga de Anie fala mascando uma goma rosa Barbie, olhando Heitor por cima dos óculos. Tudo nela exalava a nojo. Beatriz é morena, tem cabelos escuros ondulados, corpo bem distribuído, lábios preenchidas. Ela e o restante dos amigos da Anie estão no padrão que ela considera aceitável para ser amigos dela.

- Olha o olhar desse cara, professora. - Falou Nicolas do outro lado da sala, com um sorriso de deboche no rosto, braços cruzados sobre o peito, sentado de maneira desleixada na cadeira, se ele pudesse colocaria os dois pés sobre a mesa. - Aposto que ele passou a noite fumando um baseado e o gordinho aqui - Apontou com o nariz para Saulo - esse ai tá com cara de que passou a noite batendo punheta vendo as fotos da Anie no Instagram. - O rosto do Saulo enrubesceu com a provocação do Nicolas. Nicolas era o garoto mais arrogante da turma, por ter pele branca, músculos bem cuidados, cabelos alinhados e pretos de olhos azuis, achava que toda garota da escola estava a sua disposição na hora que quisesse e elas estavam. Ele se orgulhava de dizer que nunca ouviu um não de uma garota, que transava com quem ele quisesse. Sua popularidade fazia jus a sua fama de gostosão.

- Eca, que nojo! - Gritou Anie estridente e a turma reagiu com risos.

- Já chega! - Falou a professora em um tom autoritário ajeitando os óculos com a ponta dos dedos. - Mais uma palavra e os três vão para diretoria!

Todos ficaram em silêncio. Aquela leve explosão da turma foi como uma injeção de adrenalina que acabou ajudando Heitor que estava prestes a cochilar. A professora finalmente iniciou o sorteio e para a sorte da turma, Heitor e Saulo foram os primeiros sorteados fazendo com que soltassem a respiração em alívio. Eles podiam ouvir seus colegas cochichando, falando que não queriam ficar com o gordinho da sala, outros falavam o Heitor e o Saulo transavam juntos e assim foi até o final da aula.

- As maricas ficaram juntas. - Disse Nicolas ao passar pela mesa do Heitor em direção ao corredor atirando com o cano de uma caneta uma bola de papel com cuspe que acertou em cheio a bochecha de Saulo. Outros alunos passaram fazendo gestos de boquete para o Saulo caçoando com a cara dele.

- Liga pra isso não, cara. - Fala Heitor dando um soquinho no ombro do seu amigo.  - Qualquer dia desses a gente dá uma lição nesses idiotas. - Deu uma piscada com o olho direito.

- Tô de boa. - Sua voz já não saia com a alegria de sempre, um tom melancólico ficou empregando em suas palavras. Saulo aguentava calado sabendo que revidar não valeria a pena.

- Oh, depois a gente ver como vamos fazer lá pelo whats. - Heitor fala tentando tranquilizar Saulo que por mais que parecia estar tranquilo, sabia que aquilo era só para não deixar transparecer o que ele realmente estava sentindo, até porque ele mesmo já fez isso, esconder seu próprios sentimentos para que os outro não os vejam. Ainda faz.

As aulas seguintes seguiram seu curso, os meninos aguentaram chacota por parte do outros a manhã inteira, o que não era nada novo na dura realidade do ensino médio.

- Tá legal, os meninos pegaram pesado, mas sei que não é isso que te deixou com essa cara de enterro. - Reclama Saulo caminhando para fora das dependências da escola com Heitor. - O que foi que o Gabriel aprontou dessa vez?

- Droga. - Murmura Heitor cabisbaixo.

- Como ele compra? Tô precisando viajar por algumas horas. - Fala sorrindo.

- Idiota! - Funga Heitor. - Eu não sei mais o que fazer com ele, Saulo. - Suspira.

- Você encontrou alguma droga com ele? - Perguntou Saulo animado demais para quem estava preocupado com o amigo.

- É sério, cara. - Fala desanimado.

- Eu sei que é, mas as vezes eu realmente só queria sair dessa realidade nem que fosse por um momento.

- E você acha que as drogas vão te ajudar? - Saulo levanta a sobrancelha como se perguntasse a opinião do amigo. - Acredite em mim, você não vai querer andar por esse caminho. Por que você não arruma uma namorada? - Heitor pergunta fazendo Saulo soltar uma gargalhada.

- Sou condenado a viver uma vida de sofrimento. - Fala se escorando no ombro do Heitor que acaba por dar  uma mancada com o peso que recebe. - Meu coração bate pela Anie e ela me despreza, meu caro senhor. - Saulo fala como se estivesse reclamando um poema.

- Dramático você hein. - Os dois já estão no ponto de ônibus que fica a poucos passos da escola.

- Aposto que se eu tivesse um corpo igual o teu ela não olharia diferente pra mim.

- Você sabe que existem outras garotas né? - Sugere Heitor.

- Por que você não arruma uma namorada pra você? - Questiona Saulo.

- Por que eu não tô afim, a única menina que eu namorei me deu muita dor de cabeça.

- Tá vendo ai. Não deseja pra mim aquilo que você não quer pra si, meu irmão.

O ônibus aparece cinco minutos após eles terem chegado no ponto, o relógio marca meio-dia e quinze, Heitor precisa chegar em casa logo, pois tem que trabalhar durante a tarde. Seu emprego é em uma autopeças que fica no centro da cidade. Sua função na loja é vender todo tipo de peças de moto, carro. Por ser estudante, ter ainda seus 16 anos, ele ainda não ocupa uma função de período completo na loja e por isso seu pagamento é abaixo de um salário mínimo, mas ainda assim o pouco que recebe já ajuda nas despesas de casa.

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