Capítulo 2

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O fim do Mundial marcou o início do período de entressafra. O rinque se esvaziou, todos os patinadores aproveitando a breve brecha de oportunidade para visitar a família ou tirar férias ou — como Yuuri —meter o nariz nos trabalhos da faculdade. Viktor desapareceu completamente - de acordo com as fofocas do rinque, ele passava o período de entressafra filmando comerciais, publicando anúncios impressos e participando de festas em iates. Coisas de celebridades.

As coisas voltaram ao normal no auge do verão, durante as Noites Brancas, quando o sol nunca se punha. Yuuri fazia longas e maravilhosas caminhadas através do crepúsculo sem fim, maravilhado e profundamente nervoso. Ele dormia levemente e não conseguia sonhar.

Viktor voltou com um objetivo. Ele foi o primeiro a chegar ao rinque, o último a sair, o foco irradiado como um campo de força. O poder repulsivo disso manteve todos, exceto Yakov, à distância. Viktor pegou o rinque e todos os outros recuaram, acovardados.

O tema de Viktor para o ano era ambição, o que soava impossivelmente arrogante até que alguém levasse em consideração sua música. Ele havia definido seu programa curto com Oedipus rex de Stravinsky, a história de um rei derrubado por seu próprio orgulho. E ele escolheu Orfeo ed Eurydice de Gluck para seu longo programa, recontando o mito de um músico sublimemente talentoso que tentou e falhou em resgatar sua amada do submundo. Orfeu recebe a ordem de olhar para frente enquanto guia Eurídice de volta à terra dos vivos, mas ele não resiste à tentação de se virar e olhar para trás, então ele a perde.

Não se pode dizer que nenhuma das escolhas celebra a ambição; elas os confundiam, lançavam os repetidos triunfos de Victor sob uma luz frágil e desesperada. Sua coreografia solidificou essa impressão - ele escolheu saltos de combinação cruelmente difíceis que não lhe renderiam pontos extras, dificuldade apenas pela dificuldade. Observá-lo mandou o coração de Yuuri para a garganta, o fez pensar demais, o deixou com medo.

Provavelmente, esse era o ponto.

Yuuri observava Viktor patinar sempre que podia. Era um prazer ver os programas do Viktor juntos, cada dia mais completos. Yuuri se desesperou com os limites de seu próprio corpo, focou em suas fraquezas e aprimorou sua técnica. Quando observou Viktor, se lembrou porque amava o gelo. Ele redescobriu a arte, renovou sua inspiração. Afiou sua motivação.

Uma vez, quando Viktor fez uma pausa entre o ensaio para drenar uma garrafa de água quase cheia, ele notou Yuuri observando das arquibancadas. Ele fez uma pausa, olhou fixamente, a cabeça inclinada atentamente.

— Seus novos programas são incríveis. — Yuuri disse.

— Não, eles não são. — respondeu Viktor. — Ainda não.

Então ele largou a garrafa de água, voltou ao gelo central e começou do início.

A noite na França não havia mudado muito. Se eles se cruzassem, Yuuri gritaria uma saudação e Viktor sempre retribuiria. — Olá, querido Yuuri! — ele diria. — Como você está? — Mas ele nunca esperava por uma resposta antes de continuar seu caminho.

Se alguém tivesse cuidado de Yuuri como ele cuidou de Viktor, ele teria se lembrado. Ele teria se sentido especial e grato. Mas Viktor Nikiforov deve encontrar dezenas de pessoas desesperadas para lhe fazer um favor todos os dias; centenas em uma semana, milhares em um ano. Yuuri não era especial e Viktor mostrou sua gratidão por completo. Eles eram, como Viktor havia demonstrado ao explicar seu — terrível e desaconselhável — truque com o cartão-chave e o chiclete.

Yuuri tinha feito a coisa certa. Ele não se arrependeu. Mas as consequências doeram como um furo em sua meia ou uma afta em sua gengiva.

Quando criança, ele acreditava que, se quisesse a atenção de seu ídolo, teria de conquistá-la no gelo. O surpreendeu descobrir, como um adulto de vinte anos, que seus primeiros instintos estavam certos.

Algo incrível aconteceu, e eu estou tão triste,  VICTUURIOnde histórias criam vida. Descubra agora