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POV Aria

Tomo mais um gole do café quente enquanto observo pela janela da cozinha. Vendo a fina camada de neve se formar nos galhos das árvores e pingar no gramado seco.

Era difícil entender porque coisas ruins aconteciam. E principalmente, porque aconteciam comigo. Não conseguia imaginar algo que pudesse explicar minha maré de problemas. Karma? Lei da atração? Talvez tivesse colhendo os frutos da minha vida passada, ou o universo só precisava de alguém se ferrasse para manter o equilíbrio e a harmonia das coisas. Ou... foda-se. Balanço a cabeça tentando afastar as paranoias. Procurar os possíveis motivos pelo mundo místico parecia deprimente.

Aperto a turmalina rosa pendurada em meu pescoço, tentando me acalmar.

— O que há de errado com você? — murmuro, encarando o cristal com mais frustação  do que com raiva.

Desde pequena, a carregava comigo e não ousava tirá-la do pescoço. Ela havia se tornado parte de mim, era praticamente como uma segunda pele.

Era minha favorita entre as muitas da minha coleção, e a única que fiz questão de transformar em colar. Era impossível não lembrar da minha mãe quando olhava para o colar. Ela me contava histórias sobre cada cristal, sobre seus poderes e suas propriedades curativas. Tornava-se um lembrete de que ela estava comigo independente do que acontecesse.

Sempre acreditei no seu poder de me proteger, mas pelo visto, nem as forças místicas estavam dando conta das energias negativas. Ela parecia inútil, mais gelada que o clima lá fora. Provavelmente tinha sugado toda a energia dela.

Tomo o último gole do café amargo e coloco a caneca na mesa com um leve estrondo, voltando a encarar a janela, e deixando as lembranças do caos do final de semana me atingirem. O desespero, as discussões e minha crise de pânico. Elas haviam voltado e eu sabia que não era culpa dos cristais, estar com eles na verdade me acalmava de certa forma, me faziam lembrar dela.

Colecionar cristais era nosso passatempo favorito. Sempre que podia, ela trazia um novo, e eu o escondia debaixo do travesseiro. Era o jeito dela me dizer que estava por perto, e o meu de mantê-la mais próxima.

Nunca foi fácil conciliar seu trabalho como babá com a maternidade, mas ela e meu pai fizeram um trabalho incrível. Meu pai, por trabalhar como mecânico na nossa garagem, passava mais tempo comigo durante o dia. Já ela, mesmo tendo que atravessar a cidade, sempre encontrava um tempinho para nós. Lawrence era uma mestre em criar momentos especiais. As saídas, os artesanatos, as risadas... Se fechasse os olhos, ainda sentiria o cheiro da tinta fresca que usávamos para pintar as peças de artesanato aos finais de semana.

Tudo ia bem até eu adoecer e ela precisar pedir demissão. As crises eram horríveis, e ninguém conseguia entender o porquê. Tinha pânico de lugares fechados e surtava só de pensar em ficar sozinha. Não me lembro quando e como começaram, mas lembro que foram três anos muito difíceis para um garota de dez anos. Mas aos poucos, eu superei, tudo foi desaparecendo. E eu estava bem, até a morte dela.

Os pesadelos sem sentido estavam me atormentando. Só por eles estarem ali eu sabia que algo estava errado comigo, mas pelo visto eram apenas a ponta do iceberg. Depois do surto na festa de Nick não tinha com negar. Foi bizarro, eu simplesmente havia travado e não conseguia me afastar da mesa por mais que soubesse que iria me queimar. Meu coração batia tão forte que por um segundo senti que estava presa em meus pesadelos. E a falta de ar era bizarra. Se passaram tantas coisas em minha cabeça e ao mesmo tempo nada, quando o fogo se espalhou pela mesa, minha mente se apagou.

A verdade era que eu não havia superado nada, e fingir que nada aconteceu e seguir a vida não estava funcionando por algum motivo. Talvez no fundo eu nem quisesse, e esse era o problema. Não estava pronta para dizer adeus à minha mãe, mesmo sabendo que precisava.

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⏰ Última atualização: Nov 13 ⏰

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