esse acontecido foi a prova da existência de amores românticos entre pessoas que não namoram e nem expressam fisicamente.
na nova escola, eu demorei pra fazer contato com os outros seres humanos, acho que estava cansado, e ali os grupos já estavam bem definidos, não era o ambiente mais convidativo para um tímido de 16 anos se entrosar.
as poucas interações já tinham sido desastrosas, e por 6 meses eu não me lembro de ouvir o som da minha voz muitas vezes.
em algum momento, algo mudou e novas alianças foram se formando, e quase como um combustão espontânea, e foi nesse começo que eu tive minhas primeiras interações com o gabriel.
ele era, sem sombra de dúvidas, a figura mais conhecida e carismática daquela pequena escola. e era muito engraçado também.
a aproximação depois foi natural, tínhamos um grupo formado e estávamos sempre juntos, e o gabriel foi se abrindo para mim e mostrando seu complexo e lindo interior, sua cabeça barulhenta mas artística.
eu não sei em que momento exato aconteceu, mas um dia acordei e percebi que o elo entre nós dois era mais forte do que com o resto do grupo. e eu gostava.
eu amava os irmãos mais novos dele, eram simplesmente uns fofos, adoraram abraçar! eu nunca conheci a mãe dele, apenas o pai e a madrasta, e adorava os dois. claro que tive mais intimidade e abertura com a madrasta dele, e as vezes conversávamos por horas, mesmo com o gabriel longe.
ele era ótimo de presentes, por exemplo no meu aniversário ele gravou um vídeo dele cantando e me enviou. eu achei O MÁXIMO na época, queria mostrar para todos na crosta terrestre, mas ele apagou depois.
no nosso amigo secreto, ele quem me tirou, e me deu várias coisas, tipo um isqueiro de gatinho e um cd do ed sheeran (como eu ouvia daydream naquela época, vocês não imagibam).
ou quando ele começou a trabalhar e me deu um livro de poesia do vinícius de morais. eu me sentia nas nuvens.
lembro que uma das coisas mais marcantes foi conhecer a família toda dele. era um aniversário, acho que dos avós, e ele me convidou apenas, sem os nossos amigos. foi incrível. ele me apresentou pra todo mundo, e foram muito gentis e engraçados.
lembro que fizemos uma piada por meses sobre esse dia, porque (acho) que falei pra uma tia dele que eu era namorado do gabriel e no dia seguinte ela enviou a oração da família no celular para ele.
nós não ficamos muito no meio de todos, fomos para um mesa mais afastada, comer e conversar, senti muitas coisas boas naquele dia. e na hora do parabéns, a família mostrava os laços: eles tinham línguas inventadas, jeitos de cantar, um mais engraçado que o outro.
duas vezes nós ficamos sem nos falar. três na verdade, a última dura até hoje.
as primeiras não foram brigas, foram talvez férias um do outro? ou uma forma de testarmos a vontade de estarmos juntos. não sei, e lembro que não sabíamos o que aconteceu. mas voltamos.
outro sinal que, na época não foi claro para mim, mas é que eu não conseguia mais chamar ele pelo apelido, apenas pelo primeiro nome. é só. não o tinha pelo sobrenome, nem pelas variações ou encurtamentos. apenas gabriel. e em algum momento, ele adotou a mesma prática comigo.
quando o conheci, ele namorava uma garota, extremamente simpática inclusive. lembro de várias vezes que saímos juntos, inclusive com os amigos dela, e eles me davam muito carinho, era ótimo estar ali.
a sexualidade do gabriel sempre foi um mistério para mim, ele não se abria muito nesse sentido, mas nada que houvesse culpa. eu mesmo, que apesar de já ter beijado outros homens e o grupo me ver mais como gay do que como bi, tive meus episódios de tentativa com uma amiga da namorada dele. engraçados de tão patéticos, coisas da adolescência.
ele terminou, e nunca mais namorou enquanto eu o conheci.
minha primeira festa caseira foi com ele, na casa dele. noite perfeita, conhecer os espaços que ele ocupava. ele me ensinou a fumar talvez, ou pelo menos eu me motivava a parecer descolado com um malboro na boca, enquanto estava perto dele.
nós nos beijamos uma única vez, e eu, por fardo da memória, me recordo de cada segundo, de cada fala e de cada sensação daqueles poucos segundos. era em uma festinha que fizemos pro aniversário do meu primo, e eu possivelmente já embriagado estava dizendo o quando gostava dele e o beijei na bochecha.
ele me disse "você quer me beijar?" falando meu nome e olhando no fundo dos meus olhos, e eu atônico só pude responder um baixo "sim" antes de conhecermos a boca um do outro.
inclusive quando olho as fotos desse dia, sou obrigado a juntá-las ao conjunto probatório defendendo que havia um relacionamento não identificado, porém romântico, entre nós. os convidados eram 6, dois casais e nós.
talvez de alguma forma todos nos viam como um casal, ou nós nos colocávamos nesse lugar, ou ainda eu quem aficionava essa estrutura. nunca tive essa conversa com ele ou com os amigos ao nosso redor.
o beijo nunca mais aconteceu, e a distância um dia nasceu. pequena mas em velocidade crescente.
nesse meio tempo, eu tive outras relações, e comumente compartilhava com ele. como a primeira vez que eu fui encontrar o lázaro na estação, ele estava comigo. ou quando eu beijei um colega do nosso grupo, ele soube primeiro.
nunca calculei se aquilo o magoava de alguma forma, e ele também nunca expressou nada.
ele fez novos amigos, conheceu novos lugares, teve novas experiências, e o meu espaço nesse mosaico foi diminuindo. não havia mais algo que tinha havido antes.
um dia no bar, com tudo muito cheio e tumultuado, ele me contou que havia se deitado com outro homem. e eu lembro daquilo me queimar a garganta como se eu desse um trago seco num pinga de alambique. fiquei sem palavras, e ele tinha poucas para mim também. o fim estava próximo.
mas o fim começou mesmo no meu aniversário. depois de muito bebermos, ele me disse que sabia que eu o considerava meu melhor amigo, mas que ele não tinha em mim essa figura, o melhor amigo dele era outro.
óbvio que esse é um título inventado mas talvez fosse nele que eu procurava a nossa relação, e talvez tenha sido ali que ele quis me explicar que os ingredientes não faziam mais o mesmo sabor. e eu senti meu coração congelando.
poucas semanas depois, aquela sopa de sentimentos queimou na minha cabeça, e a minha forma de resposta foi amarga.
até hoje me questiono sobre o que eu sentia naquele dia, e o que eu esperava daquilo. eu lembro de no dia em si não estar sentindo muitas coisas.
na hora do meu almoço, eu fui até o café perto do trabalho, pedi algo pra beber e me sentei numa mesa do lado de dentro.
liguei para o telefone da casa dele, e falei com a madrasta dele. primeiro eu contei sobre as drogas. depois contei os segredos. e fiz tudo isso investido de um personagem de carinho e bondade enquanto eu falava com ela, que claro me agradeceu e me
chamou de "um ótimo amigo".eu não consigo imaginar o quanto eu piorei a vida dele, a relação com os pais e com todo o resto. na semana seguinte, uma das amigas que tínhamos em seguida me chamou para a casa dela.
também me questiono de porque eu fui, sabia que nada de bom sairia dali, mas talvez por culpa ou talvez por curiosidade eu fui. e ouvi. bastante. várias coisas. nenhuma boa.
ela basicamente me explicou que eu não o conhecia mais, que eu não tinha feito aquilo para ajudá-lo e que eu só piorei tudo.
semanas depois, no aniversário de alguém da minha família, estávamos na casa da minha tia quando a namorada do meu primo me chamou para conversar, e me dizia que se eu fizesse algo como aquilo novamente ou que se eu falasse com ele, ela iria me bater na rua até me deixar irreconhecível.
eu sentia e continuei por semanas sentindo os mais variados e complexos sentimentos nos próximos meses. até que tomei coragem um dia de mandar mensagem pra ele, o chamando pra conversar, e pedir desculpas.
graças aos deuses, eu não me lembro se apenas o chamei pra conversar ou se mandei um texto longo pedindo desculpas e o chamando para um encontro pessoalmente.
mas me lembro, como quem vê uma foto, da resposta curta dele.
"você é um merda". e nunca mais nos falamos ou vimos desde então.
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vilão
Non-Fictionessas histórias parecem falar de amor. você encontrará erros de escrita. obra de ficção.