Voltas

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Não tinha quase nada em sua bagagem, o que fazia sentido levando em consideração que a lista de objetos permitidos estava apenas na parte da frente de uma folha de papel. Amélia teve que olhar o verso várias vezes para acreditar que era apenas aquilo. Fazia pocos minutos que a menina se despediu pela última vez de sua família e da Wendy( que estava chorando mais que seus próprios parentes), e olhava pela janela da carruagem, que estava a caminho do campo de treinamento, enquanto a mesma andava em um ritmo constante.

Depois de quase 2 horas de viagem, ela finalmente chegou no campo de treinamento de sua divisão. O local era cercado por uma cerca de madeira e 6 torres de vigília, distribuídas igualmente. Já na entrada era possível ver os alojamentos dos cadetes e instrutores e, mais ao longe, a área de treinamento. Amélia estranhou a quantidade de cadetes pois, mesmo que a última prova tenha tido o total de 87 candidatos aprovados (foi a maior quantidade nas ultimas 5 décadas), ainda eram sete divisões e lá aparentava ter cerca de 30. 

Assim que ela saiu da carruagem, os novatos foram instruídos a se enfileirarem. Contando com ela, haviam apenas cinco na frente, enquanto que os outros cadetes estavam distribuídos em duas fileiras mais para trás. Um instrutor alto, com cabelos pretos e lisos com um tom de pele amarelado manchado pelo sol, foi a frente do grupo. Ele usava uma calça preta larga com faixas amarradas nos tornozelos e uma camisa sem manga cinza com detalhes pretos. 

- Bem vin...

Antes que o homem pudesse terminar a frase, um rapaz atrasado chega e rapidamente entra na fila, do lado de Amélia, que tem um breve vislumbre de seus cabelos acinzentados e roupas em um tom de grafite. O instrutor se cala por um momento e encara o novato, demorando alguns segundos antes de voltar a falar.

- Bem vindos aos campos de treinamento da divisão da águia - continuou ele de forma monótona  - hoje daremos início ao seu treinamento. Os senhores e a senhorita foram escolhidos a dedo pelo comandante, sendo julgados os mais adequados para essa divisão. Muito provável que a maioria dos senhores não serão promovidos esse ano, e para aqueles que já estão no limite do tempo - ele olha para aqueles que estão atrás da fileira de Amélia - se esforcem para serem os melhores. Todos terão quarenta minutos para deixarem suas coisas em seus respectivos alojamentos e irem para o campo. Com exceção da senhorita, não haverá alojamentos individuais, então não importa de quem você seja filho, não haverão privilégios. - ele então se vira para Amélia e a encara - apenas os mais fortes subirão. Aqui não é nenhuma brincadeira que se possa entrar ou sair. - o homem olha para seu relógio - vejo vocês em quarenta minutos.

Nisso ele se virou e começou a andar. Levou alguns segundos para Amélia se recompor e ir para a tenda que foi designada para ela. Sua barraca, muito menor que a dos outros, estava localizada ao lado da barraca dos instrutores e, ao entrar nela, a menina não conseguia ficar em pé sem encostar a cabeça no teto. Ela então tirou o sobretudo que estava usando, ficando apenas com uma calça preta e uma camisa de mangas curtas cor creme, e foi desfazer a mala, que tinha apenas dois conjuntos de roupa de cama, toalhas, uma coberta, algumas roupas, um sabonete, um par extra de sapatos, um relógio e um espelho. Depois de arrumar tudo, ela ainda tinha quinze minutos de sobra e resolveu andar pelas barracas.

Enquanto andava, ela percebeu alguns olhares de desaprovação vindo de algumas pessoas. Era possível saber quem era novato e quem era veterano só de ver como eles arrumavam suas coisas. Haviam cinco barracas para os outros cadetes e em cada barraca havia seis camas, muito maiores e mais equipadas que a de Amélia, mas pelo menos ela ficaria sozinha. Seu olhar vai para o menino que chegou atrasado, que estava sentado na beirada de uma cama perfeitamente arrumada.

"talvez ele não seja nobre" pensou a menina.

Todos começaram a correr para a área de treinamento e Amélia foi junto. cinco instrutores os esperavam.

- Atenção! - gritou o do meio, que tinha uma barba curta em toda a mandíbula, mas sem bigode - Teste de resistência! Quem der mais voltas em torno da arena vai ficar uma semana sem precisar participar da faxina, o perdedor não come hoje. Comecem!

Todos começaram a correr. As primeiras cinco voltas foram fáceis, mas depois da sexta a maioria já estava ofegante. O percurso era maior do que o que ela estava acostumada em casa, mas ela treinou para esse dia. Ela não seria a primeira a desistir. Depois sua respiração entrou no ritmo certo, ficou mais fácil, e Amélia até acelerar um pouco. E assim ela foi. Oitava volta, décima, décima primeira, décima segunda, décima tercei...

A queda foi feia. A menina nem viu, apenas sentiu algo batendo no seu pé e caiu de cara no chão, batendo sua bochecha e ralando ambas as mãos. Ela tentou tirar a terra que entrou em sua boca, mas ainda dava para sentir o gosto.

- Fiorentino está fora!! - gritou o instrutor - sem janta hoje!!

Amélia olhou para para o grupo correndo. Dois cadetes estavam sorrindo enquanto olhavam para ela, e pouco depois eles desistiram da corrida, quase sem fôlego, e se jogaram no chão, bebendo várias conchadas de água de uma vez. Eles tinham uma aparência bem comum, um com cabelos castanhos e olhos pretos e o outro loiro com olhos marrons. Ela engoliu a raiva e se levantou, dando uma pequena espreguiçada, e andando da forma mais calma e relaxada que conseguia, tentando não demonstrar nenhum cansaço ou dor.

Os dois a olharam sem reação enquanto ela foi até onde estavam os instrutores e ficou em pé ao lado deles. Aquele que fez o discurso inicial a olhou como se estivesse vendo uma abominação, e isso deixou a menina um pouco feliz, pois estavam se sentindo incomodados.

- É uma pena que eu não estava prestando atenção desta vez. - Amélia disse, e então se virou para os meninos - eu não caio no mesmo truque de novo. É bom pensarem em um truque mais elaborado quando tentarem me derrubar. - ela vira para os treinadores e dá um sorriso de leve - Não são covardes, com medo de admitir que uma garotinha de 16 anos tem mais preparo físico que eles? - Ela suspira - Vou indo então - A moça começa a andar e então se vira para eles de novo - Já vou para minha tenda, já que não comparecerei para jantar.

                                                                  *

O ódio estava ardendo dentro da sua alma. Amélia entrou em sua barraca e fechou a cortina e, ao tirar as roupas, viu que o machucado nem estava tão feio assim. Ela lavou as mãos raladas e passou a pomada que foi oferecida por um dos cavaleiros instrutores. Ela se limpou o melhor que pode, já que um banho não era possível no momento, e se sentiu horrível por isso. Ambos os seus joelhos estavam começando a ficar roxos. Como sua pele era muito clara, qualquer hematoma ficava visível. Ao se olhar no espelho, viu o quão vermelho ficou onde bateu seu rosto no chão.

" Que belo começo" pensou "aposto que por causa disso vão se juntar para me fazer desistir"

Um riso escapou da boca de Amélia. Ela já tinha sido marcada mesmo, tanto pelos treinadores quanto pelos cadetes. Ela daria um jeito de fazer eles pagarem. Ela pegou o caderno de regras que foi entregue junto com sua espada de treinamento.

- Quem sabe eu consiga algo bom disso? - murmurou


A Segunda Chance de AméliaOnde histórias criam vida. Descubra agora