— Capítulo Três —
Lançados ao MarSe passaram horas desde o ataque das sereias. Era tarde da noite, e muitos eram os escravos que ainda não voltaram ao porão para dormir. Tauane e Fayola estavam entre eles. Todo o navio estava uma bagunça, desde o convés as cabines. Todos os escravos receberam ordens de limpar tudo antes de seguirem ao porão para dormir.
No momento, Fayola, embora trabalhando com eficiência, não deixava de notar Tauane, que tinha um ar deprimido. A jovem moça associava sua tristeza ao ataque assustador das sereias, ou então, enjoou por conta do balanço do navio, embora a verdade fosse um fato comum, ainda que nem tivesse se passado pela sua cabeça. Tauane, após ver que se distanciava cada vez mais de sua terra e de sua mãe, não pôde deixar de perder as esperanças de que um dia voltaria a ver Janaina e sua tribo novamente. No lugar, criou uma nova fé, onde não pode deixar de ansiar, com cada vez mais força, que tudo não passasse de um pesadelo muito longo.
O céu ficou mais obscuro a cada momento. Um sinal de que já estavam limpando aquele navio a horas. Após um capataz inspecionar o trabalho que elas fizeram em sua cabine, foi que ele permitiu que ambas fossem dormir.
O porão estava quase vazio, se não fosse por uma pessoa aqui e ali, dormindo profundamente. Ambas esgueiraram-se até a um canto, onde se deitaram de costas, uma ao lado da outra. Fayola, graças a privacidade do momento, tomou liberdade de se voltar para Tauane e perguntar:
— Algo acontecerá? Estás tam triste.
Tauane suspirou, contendo as lágrimas que nublam sua visão.
— Desejar que tudo o que nos acontece, não passe de um pesadelo muito longo, é errado? — Ela perguntou, mais para si mesma que para sua colega. — Que, enquanto durmo pacificamente nos braços de mãe minha, fico a imaginar coisas?
— Não… — Fayola olhou para o teto. — É não…
Nenhuma delas voltou a dizer mais nada. A conversa acabou tão rápido quanto começou.
Fayola deu as costas para Tauane, fechando os olhos e procurando dormir, embora as tristes lágrimas que escorriam de seus olhos não lhe permitissem adormecer, mesmo depois de longos minutos.
Tauane, até então deitada e sem sono, sentou-se. A porta do porão encontrava-se aberta, permitindo que a jovem indígena visse o que acontecia do lado de fora. Agora o céu, antes brilhando com nuvens brancas e um crepúsculo mesclado com lindas tonalidades de azul, rosa e lilás, estava obscuro com somente a lua a iluminar aquela vastidão que chamam de oceano.
Fayola, sentindo o movimento atrás de si, virou a cabeça e flagrou Tauane admirando aquela luz tão pura, e ficou a observá-la. Tauane se pôs de joelhos, juntando as mãos diante do queixo e respirando fundo, começando a sussurrar:
— Jaci, senhora da proteção, guardiã da noite e dos amantes! Tu sabes que todos aqui presentes somos inocentes, e não merecemos tão cruel tratamento e destino. Socorre-nos deste mar de sofrimento porque, neste mundo, nenhum de nós pediu por isto. Livrai-nos das garras destes algozes e maléficos homens, que não só nos sequestraram de nossas terras, como ameaçam nossas vidas. Ilumine e inspire nossos espíritos e corações com gentileza e misericórdia, para que não nos tornemos como eles: bárbaros e cruéis. É sua humilde seguidora que, com lágrimas nos olhos e tristeza no coração, implora pela tua salvação através de tua tão brilhante e pura luz!
Foi a primeira vez, desde que colocou os pés naquele navio, que Tauane orou. Foi a primeira vez, em toda sua vida, que Tauane orou com tanto afinco. E foi a primeira vez, em toda uma história de sofrimento, que Fayola viu alguém tão gentil e misericordiosa que, não orou pela sua própria proteção e salvação, como também pela daqueles que com ela estavam.
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Filhos Da Lua: Eclipse - [Vol.01] - Isabelle Mello
RomanceO objetivo de Pedro Álvares Cabral nunca foi a América do Sul. Muito pelo contrário, seu objetivo era Calicute, na Índia. No entanto, a correnteza do oceano levou ele e sua tripulação para um caminho distinto. Esse caminho distinto o levou para o qu...