— Capítulo Dois —
Iara, a Senhora das ÁguasA turbulência veio de forma repentina. Num instante, Fayola e Tauane tinham acabado de limpar a cabine. No outro, parecia que o mundo tinha dado uma cambalhota. Em questão de segundos, os livros caíram da estante, os papéis se espalharam e as garrafas de vidro, repletas de vinho, espatifaram-se no chão. Tauane e Fayola, que tinham se sentado no chão para recuperarem o fôlego antes de seguirem para outra cabine, foram erguidas a pouco mais de um metro do chão. Fayola caiu de barriga na escrivaninha, enquanto Tauane bateu as costas no chão.
— Tu estás bem? — Tauane perguntou, ajoelhando-se e massageando as costas.
— Tô — Fayola colocou-se de pé. — Esta onda foí forte.
Nem haviam se recuperado totalmente do primeiro golpe, e uma segunda onda atingiu o navio, desestabilizando-as. Parecia que o navio era, na verdade, um brinquedo em miniatura, a qual estava boiando calmamente no lago quando uma criança veio e deu-lhe um tapa a esquerda, e depois, a direita. Até mesmo os escravos, caso não estivessem acorrentados, teriam sido arremessados ao longo do porão.
Uma terceira turbulência atingiu o navio. Fayola e Tauane foram erguidas no ar mais uma vez, e arremessadas na direção da porta. Tauane bateu de cara na parede, mas Fayola atravessou a porta, passando por cima do guarda-corpo do navio. Em questão de segundos ela soube que iria cair no mar, então ergueu o braço, agarrando (por poucos centímetros) o guarda-corpo, ficando pendurada com suas pernas balançando no ar.
Fayola se arriscou a olhar para baixo, encontrando outros escravos africanos que se afogavam no oceano, pois não sabiam nadar. Já os indígenas que, aparentemente sabiam nadar, tentavam retornar para a segurança do navio. Também havia outros navios além daqueles que faziam parte da frota. Estes, por sua vez, estavam em pedaços. Alguns faltavam a proa, outros a ponte ou o casco. Era assustador olhar. A frota estava atravessando um cemitério de navios.
Quê que houveras aqui?, ela perguntou-se.
Sentindo seus dedos escorregando, Fayola gritou por ajuda. Passos foram ouvidos, e sua mão foi agarrada por Tauane.
— Segura! — Gritou ela, tentando puxá-la para cima novamente.
— É um tanto obvio, tu não acharás!? — Fayola gritou de volta.
Ela colocou seu pé no casco do navio, tomou impulso e tentou subir, mas seu pé escorregou e sua mão se soltou do guarda-corpo. Tauane se tornou a única coisa que impedia Fayola de cair no mar, ainda que metade de seu corpo estivesse pendurado para fora do navio e seus pés mal tocavam o chão, ela não soltou. Pelo contrário, manteve um aperto firme sob o pulso de Fayola.
— Meu Deus… socorro… — Fayola implorava num sussurro, na língua portuguesa.
— Kianumaka-Manã… — Tauane também orava — por favor, me dê forças.
Uma mão, maior e mais forte pegou firmemente no pulso de Fayola. Era um homem negro, castigado pelo sol e pelo chicote. Juntos, o homem e Tauane foram capazes de puxar Fayola de volta para a segurança do navio.
— Obrigada! — Fayola lhe agradeceu, mas o homem nem ficará para escutar. Ele, da mesma forma que apareceu, desapareceu na direção da popa, querendo ajudar aqueles que caíram no mar.
Vagamente, a adrenalina foi se esvaindo de seus corpos. Tauane esfregou sua barriga, que tinha ficado no formato exato do guarda-corpo.
Devagar, bem lentamente, um som foi invadindo a mente de ambas as jovens. Era uma canção. Era suave e parecia ser cantada por uma voz feminina. Ou várias vozes.
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Filhos Da Lua: Eclipse - [Vol.01] - Isabelle Mello
RomantikO objetivo de Pedro Álvares Cabral nunca foi a América do Sul. Muito pelo contrário, seu objetivo era Calicute, na Índia. No entanto, a correnteza do oceano levou ele e sua tripulação para um caminho distinto. Esse caminho distinto o levou para o qu...