— Capítulo Um —
A Escrava AfricanaEstava doendo. O ferro meio enferrujado da corrente em torno de seu pescoço arranhava e pinicava. Pequenos arranhões se tornaram pequenos cortes que sangravam e queimavam.
Sua pele não era a única coisa incomodada naquela situação. Os cheiros insuportáveis de urina e suor que se misturavam ao cheiro da maresia, irritavam seu nariz acostumado ao ar puro das florestas brasileiras.
Tauane ergueu os olhos para observar os arredores. O porão daquele navio estava repleto de indígenas e negros que ela nunca virá antes. Homens e mulheres, desde crianças até idosos. Todos acorrentados com os braços roçando uns nos outros. O único movimento naquele ambiente fechado era o balanço suave do navio.
Observando com mais atenção, ela percebeu que algumas crianças choravam, agarradas a alguém mais velho. Deveria ser um parente. Sortudos, era o que eram. Pelo menos, eles tinham alguém. Não estavam sozinhos ao contrário dela.
Após ter visto sua mãe ser arrastada floresta adentro por Kauê, o cara-pálida que lhe segurava com força, obrigou-lhe a entrar numa carruagem, onde Tauane se encontrou com outros membros de sua tribo. Por um instante, ela teve esperança de conseguir fugir com eles, mas logo, sua esperança murchou. Não havia guerreiros ali dentro, ninguém além de mulheres e crianças. Logo, seus pulsos e tornozelos foram acorrentados, assim como os dos outros, para que não fugissem. Muito tempo depois, Tauane viu-se sendo arrastada novamente para outra carruagem, mas desta vez, não havia nenhum de seus conhecidos lá dentro. Ela estava sozinha, rodeada por estranhos. Depois de muito tempo, Tauane caiu no sono só para ser brutalmente acordada e arrastada para dentro da maior canoa que já virá, ao qual os caras-pálidos chamavam de "navio".
Tauane abraçou as pernas com mais força, abaixou a cabeça, e encostou a testa nos joelhos.
Seu vestido, feito de algodão cru e manchado de sangue e lama, não ajudava a manter seu corpo aquecido naquela noite fria. Ou será que já era de manhã? Era difícil de dizer dentro daquele porão escuro, que não tinha escotilhas por onde a luz poderia entrar. Tauane se encolheu ainda mais, a fim de se aquecer e dormir, mas era incapaz disso. Sempre que fechava os olhos, as imagens de quando foi sequestrada há… ela não sabia há quantos dias, voltava a sua mente com força total. As imagens eram tão vívidas, que Tauane tinha a sensação de estar presa em um loop temporal, vivenciando aquele momento várias vezes. Ela tinha vontade de chorar, como vários outros no porão, chorando pelos cantos, mas as lágrimas, simplesmente não queriam escorrer.
A porta de madeira foi brutalmente escancarada. Os ecos de "slam" e "blam" ecoaram pelo porão. Muitos foram os que se assustaram e gritaram, aterrorizados. Os que estavam chorando pelos cantos começaram a soluçar com mais força. Ao mesmo tempo, Tauane erguerá sua cabeça assustada. Em compensação pela tristeza não ter sido o suficiente para fazê-la chorar, agora tinha lágrimas de medo escorrendo por seu rosto.
— Parem de chorar!
Tauane não entendeu nada do que aquele homem estranho e de cara-pálida disse, mas seu tom de voz ríspido deu a entender que não era algo bom. Ela enxugou as lágrimas, permaneceu o mais quieta possível, observando mais homens estranhos entrarem no porão. Eles vagaram por entre os acorrentados, que eram obrigados a abrir espaço para eles passarem.
O tilintar suave das chaves destrancando, o bang suave das correntes caindo no chão, encheram o ambiente silencioso. Não foram todos os que estavam acorrentados que foram soltos. Apenas alguns poucos selecionados. Dentre eles, os negros que pareciam ser os únicos que entendiam o que aqueles de cara-pálida falavam, começaram a subir a escada que tinha do outro lado da porta, de forma rápida e ordenada. Os outros, aqueles que não compreendiam, como Tauane, foram brutalmente empurrados naquela direção, mas os que teimaram em ficar levaram uma chicotada nas pernas. A fim de evitar o chicote, Tauane correu para entrar na fila.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Filhos Da Lua: Eclipse - [Vol.01] - Isabelle Mello
RomanceO objetivo de Pedro Álvares Cabral nunca foi a América do Sul. Muito pelo contrário, seu objetivo era Calicute, na Índia. No entanto, a correnteza do oceano levou ele e sua tripulação para um caminho distinto. Esse caminho distinto o levou para o qu...