morrer não era um problema, estar sozinho era

136 7 3
                                    

   Minho começou a achar que buscar alimentos no meio da noite talvez tenha sido uma má ideia. Não por falta de avisos incessantes de seus amigos e principalmente do líder do grupo, mas sua teimosia geralmente fala mais alto e a vontade de achar seu salgadinho preferido estava começando a deixá-lo louco. E então, com a maior mochila que achara e o fiel companheiro, seu taco de beisebol, Minho saiu de seu abrigo no meio da madrugada, enquanto todos dormiam, rumo ao mercado que ele e seus amigos haviam avistado no dia anterior.

   A pior parte de viver em um pesadelo é a constante certeza de que não importa quantas vezes você se belisque ou jogue água em si mesmo, aquilo é real e pessoas estão morrendo ou se transformando em criaturas monstruosas que se alimentam daqueles que ainda estão vivos. Fazia um ano desde que a nação se pôs em sinal de alerta para um possível vírus, e fazia seis meses que grupos de pessoas passaram a ter que lutar pela sobrevivência. Nunca foi dúvida para Minho que o mundo um dia acabaria, e talvez por isso ele seja sempre tão descuidado quanto a própria vida, ou talvez seja por que lá no fundo ele ainda acredite estar preso dentro de um simples pesadelo. Um longo e cansativo pesadelo.

   O arrependimento começa a correr pelas veias quando o garoto ouve passos, quebrando o silêncio profundo que se encontrava o mercado. Eram passos arrastados vindos do corredor ao lado, e Minho sabia exatamente o que era. Sua respiração ficou pesada e, se apoiando nas prateleiras, ele fechou os olhos e tentou se acalmar.

   É só um. Você já fez isso milhões de vezes. Relaxa. Uma pancada na cabeça e já era.

   Talvez essa seja a pior parte de sobreviver ao apocalipse: não importa quanto tempo passe, não importa se são cem zumbis ou apenas um, Minho sempre tem a plena certeza de que vai morrer. Mesmo sendo calculista, preciso e sempre mostrando certa tranquilidade ao encarar os mortos-vivos, o medo nunca vai embora.

   Respirando fundo e tentando ser o mais silencioso possível, Minho colocou a mochila no chão, pegou o taco e seguiu pela direção contrária à que os passos estavam se dirigindo. Ao virar o corredor, ele pode ver a figura se arrastando lentamente. A distância não permitia que a criatura o notasse ali pelo cheiro, então ele precisava ser rápido, mas não podia correr. Seus batimentos ficavam cada vez mais intensos e tão fortes que parecia ser possível ouvi-los de longe. Enquanto tudo acontecia em segundos na sua cabeça, Minho se movia mais devagar que nunca. O medo deu lugar ao pavor e por mais que estivesse em clara vantagem, ele se despedia mentalmente de seus amigos, querendo profundamente voltar no tempo e não sair da casa em que eles ficavam.

   Chegando à certa distância, Minho correu até o zumbi e acertou sua cabeça em cheio com toda força que conseguiu, olhando-o cair contra a prateleira ao seu lado. O garoto soltou a respiração que prendia em um suspiro longo e pesado, deixando o taco de beisebol de lado e apoiando as mãos nos joelhos, respirando fundo na tentativa de acalmar os batimentos. Ele repetia mentalmente que estava tudo bem e havia acabado, a criatura estava morta e ele podia pegar sua mochila e ir embora. O alívio, entretanto, apenas durou breves segundos, antes de Minho ser atingido e cair no chão, um zumbi caindo em cima de si. Se sentia impotente, empurrando e desviando, e não conseguindo pensar em fazer nada além daquilo. Tentara olhar em volta e procurar seu taco, mas as lágrimas que formavam em seus olhos tornavam tudo embaçado.

   Por um momento, o pensamento de que esse seria o melhor jeito de morrer invadiu a mente do garoto. Ele estava sozinho, então ninguém se culparia. Ele morreria por pura e simples teimosia e a culpa seria inteiramente dele. Ninguém falhara ao tentar salvá-lo e ele não estava falhando em salvar ninguém. Talvez os amigos o perdoassem mais rápido se soubessem que morrer não era problema algum para Minho. O problema era deixá-los para trás; a pior parte de estar prestes a morrer é não conseguir pensar em nada além de como tudo seria diferente se ele ao menos tivesse pensando em deixar um bilhete de despedida caso algo desse errado. Ele nunca esteve tão perto da morte como naquele momento porque nunca havia ficado sozinho desde que tudo aquilo começou. E agora entendia o real motivo de sempre precisar ter alguém por perto. Morrer não era um problema, estar sozinho era.

one will die before he gets thereOnde histórias criam vida. Descubra agora