céu lá em cima

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Heloísa acordou com o barulho do mar no fundo. Sentia o peso do braço de Stenio em sua cintura, um calor gostoso, uma vontade de viver para sempre. Lembrou-se da noite anterior, da voz de Tim Maia, da garrafa de vinho e do amor que fizeram na sala. Sorriu, fechou os olhos, revisitou o momento como se estivesse acontecendo agora. 

Foi ela quem disse as palavras primeiro. 

Foi ela quem se jogou do precipício. 

E graças a Deus ele se jogou junto, pegando sua mão na queda, lhe beijando os lábios com adoração, lhe tocando como se ela fosse uma deusa. 

Devagar, desvencilhou do braço dele. O sono pesado que ela já conhecia não se incomodaria. Se cobriu com o roupão cinza e caminhou para a varanda do quarto que tinha vista para o mar. O dia começava a nascer, o céu se clareando da noite, o dourado pingando no mar. O dia seria lindo. 

Tamanha felicidade nem parecia ter sido desenhada para ela. 

A delegada se encolheu um pouco mais na poltrona, no roupão gostoso. 

A claridade da manhã clareava sua mente também. 

Na garganta, aquela estranha sensação de quase ter perdido tudo para de repente ter tudo nas mãos de novo. Quase perder Stenio a colocou em uma posição desconfortável de reflexão, de memórias, de medos, bagunçou todas as caixas que ela guardava em sua mente, jogando tudo no chão. Agora que a poeira abaixou, a bagunça continuava lá. Reflexões, memórias e medos, tudo exposto para quem quisesse ver. 

As vezes era disso que ela precisava mesmo. 

Que alguém visse e a ajudasse a arrumar. 

Contar sobre sua mãe para Stenio foi o primeiro passo, mas sabia que ele não poderia lhe ajudar com as coisas que só ela havia passado. Odiava concordar com a ideia da terapia, da ajuda profissional. Não porque pensava que fosse sinal de fraqueza, mas eram anos quem teria que compartilhar, trabalhar. Sua infância, sua relação com Stenio, as traições, sua relação com Drika, o segundo casamento, a sabotagem. 

Ela era uma bagagem pesada. 

Bagagem que Stenio ainda queria carregar, e de certa forma isso acalmava seu coração. 

— Saiu da cama cedo. — ouviu a voz dele atrás dela e logo sentiu um beijo em seu rosto. 

— O mar me acordou. — ela falou com carinho, segurando as mãos dele. 

— Você e o mar, essa relação eu deveria ter ciúme. Você sempre preferiu pensar junto com ele. 

Stenio sentou ao lado dela. Estava sorrindo e estava com uma cueca. Ao menos um pouco de decência ele teve. 

— No que está pensando? — ele perguntou e ela percebeu certo temor em sua voz. 

Se culpou por entender que sempre depois de uma noite incrível ela se fechava. Os malditos resvalos. 

Não tinham mais lugar aqui. 

— No que você está pensando, Stenio? — ela devolveu a pergunta como se o desafiasse a desconfiar dela. 

Os olhos dele brilharam. 

— Que eu amo você, Helô. Todos os dias, em todas as brigas, em todas as risadas, todas as lágrimas. A gente tem uma vida pela frente. 

O sorriso dela, ainda que tímido, foi automático. Se ajeitou na cadeira, ficando de frente para ele. Joelhos encostando, mãos se tocando e olhares agarrados. Ela se lembraria de cada detalhe dessa manhã. Se lembraria do canto dos pássaros, do mar quebrando, do dia. Lembraria dos olhos deles, das pequenas rugas, dos cabelos bagunçados. 

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