Pedro e Charlie tinham todo o tempo do mundo, mas ainda assim avançavam rápido pelos campos dourados em direção ao vasto horizonte que se estendia à frente. Quem visse de longe, poderia confundir cavalo e cavaleiro como se fossem um só corpo, tamanha era a harmonia dos movimentos.
Somente quando chegaram ao topo de uma alta colina, diminuíram o ritmo até parar por completo. Os olhos contemplativos de Pedro absorviam a beleza serena da natureza enquanto o sol lançava seus últimos raios sobre as terras do pai. "Vamos Charlie," disse Pedro ao cavalo, "temos que chegar em casa antes de escurecer." E voltaram a cavalgar.
O pai de Pedro, imigrante alemão, chegara ao Brasil décadas atrás. Na época, a família era pobre, mas os anos de trabalho e dedicação renderam louros e com o tempo eles prosperaram. Quando Pedro nasceu, já tinham uma boa porção de terra, criavam gado e plantavam laranja. O garoto e seus irmãos nunca passaram necessidade, mas tinham que trabalhar duro, mais do que qualquer funcionário da família, pois o pai não queria que eles fossem "fracos".
Pedro não ligava de trabalhar. Nunca ligou. Sabia que teria Charlie ao fim do dia e isso era suficiente para aliviar cansaço do trabalho braçal. Era lá, nas corridas pelo campo, onde ele encontrava a verdadeira felicidade. Queria viver daquela forma para sempre. Mas nem sempre a vida respeitava os desejos dos homens.
Ao chegar em casa naquela noite, teve uma conversa séria com o pai. O velho homem disse que não queria mais o filho trabalhando na terra, como ele mesmo o fizera. Queria um futuro melhor para ele e por isso Pedro iria fazer faculdade fora do país. Não era o que o garoto queria. Nunca pensou em sair do campo e não sonhava em ser engenheiro. Mas o que Pedro queria ou deixava de querer não importava ao pai. Tiveram uma longa e calorosa discussão durante o jantar. A mãe e os irmãos ficaram assustados e por algumas vezes quase partiram para segurar os dois. Mas o velho era duro e teimoso e não haveria escolha para o filho: ele iria para Berlim estudar.
Os dias que se seguiram foram cobertos por uma nuvem negra. Poucas palavras e muitas lágrimas escondidas. Pedro ainda teimava que não iria e se o obrigassem ele fugiria para longe. Mas o pai era vivido e experiente e sabia o que tinha que ser feito. Um dia, após o trabalho, Pedro procurou Charles e não o encontrou. Olhou em todo o lugar e perguntou a todas as pessoas, mas foi só quando viu a mãe em prantos é que entendeu o ocorrido: o cavalo fora sacrificado.
Era esperado que o garoto explodisse em ira e fizesse alguma loucura contra o próprio pai, mas o que se sucedeu foi justamente o contrário: ele quebrou. Ajoelhou-se no chão e simplesmente ficou lá por horas olhando para o horizonte. Seu coração e sua alma estavam em pedaços e ele não tinha forças para brigar. Não mais. Não sem o amigo ao seu lado. E daquele dia em diante Pedro não falou mais com o pai. E o velho achou um preço justo a se pagar pela educação e sucesso do filho.
Ao final do mês foram para Santos, de onde sairia o transatlântico rumo à Europa. O velho homem sentiu certa nostalgia ao pisar novamente no porto aonde sua família chegara tanto tempo antes. Queria ele estar voltando para sua terra natal, mas seria o filho que teria este prazer. Pedro, no entanto, se sentia de outra forma.
A família se despediu, os irmãos e a mãe choraram e Pedro finalmente subiu no navio. Estava tão aéreo que mal ouvira a pergunta do marinheiro ao pedir seu cartão de embarque. "Como se chama, meu jovem?" O garoto teve que pensar antes de responder. "Pedro," disse sem emoção. "Meu nome é Pedro Waltz." Ao que o marinheiro sorriu e respondeu: "Seja bem-vindo, senhor Waltz."
***
Os anos se desenrolaram e Pedro seguiu o destino traçado por seu pai. Estudou e se formou em Berlim. Trabalhou na Alemanha por alguns anos e acabou conhecendo um certo senhor McAlister, que o convidou para ir à Detroit, nos EUA. Pedro aceitou o convite a acabou sendo contratado como engenheiro na fábrica da Ford.