1 | A nova flor do jardim

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“É deslumbrante apreciar coisas bonitas, mas até mesmo coisas bonitas quando são apreciadas demais se tornam feias 
Cansa olhar aquilo que se repete e fica comum.”
— Página 7, diário de Lucy

   O céu azul, as cores das flores e cada tipo único, a grama verde tratada semanalmente por pessoas desconhecidas, o cercado dos cavalos - ah, os cavalos - eu amava tanto esses animais, acho que foram os únicos de tamanho que vi com meus próprios olhos, quer dizer, cachorros, já vi desses, um jardineiro tinha um e ele era lindo.

   Enfim, as madeiras daqui eram adequadamente pinceladas de brancos elegantes e cheios de detalhes entalhados. Qualquer indivíduo que entrasse pelos gigantescos muros de pedra e seu portão de madeira escura pela primeira vez se sentiria deslumbrado por tamanha beleza e espaço, porém quando se está preso num lugar assim desde seu nascimento essa aparência bela acaba se perdendo e ficando extremamente cansativa aos olhos.

  — Quinhentos e treze. — Escrevi o número em um caderno de folhas amarelas e capa desgastada, meu diário, e ao lado escrevi mais informações com um sorriso leviano no rosto — Uma tulipa amarela. Muito amarela e bonita... Sim, bonita demais.

  — Princesa Lucynda Albertheins. 

  Olhei na direção da voz masculina já gasta e saí da minha escritura. Era um dos jardineiros simpáticos que cuidavam dessas belezuras coloridas. Nem sabia o nome dele, mas ele se mostrou muito humilde quando conversamos sobre o falecimento do Bobbie, seu cachorro 

  Que descanse em paz.

  — Está anotando sobre a tulipa que acabou de chegar? — O senhor se aproximou com sua pá e luvas sujas de terra

  — Me perdoe por roubar seu trabalho novamente, é que conto as flores do jardim desde pequena. Até mesmo de quando só tinham cem espécies. — Fechei meu caderninho e o guardei na minha bolsa de canto, juntamente com a pena e a tinta.

  — Tudo bem, não estou reclamando, alteza. — Ele sorriu e se curvou gentilmente — Voltarei ao meu serviço antes que o rei me despeça, fique à vontade.

  Ele dizia num tom de brincadeira, mas suas palavras não traziam divertimento algum.

  — Claro, obrigada. Bom trabalho para o senhor! — Acenei enquanto ele caminhava para o outro lado do jardim

  Sempre notei o quanto aquele senhor de idade mancava com a perna direita, gostaria tanto de ajudá-lo de alguma forma, mas eu nem sei o que poderia fazer. 

  Não consigo ajudar nem a mim mesma.

  De qualquer forma, voltar a olhar para essas tulipas amarelas me trazia alguma esperança, fazia tempo que nada de novo aparecia por aqui, meus olhos agradecem por ter a visão de alguma novidade. Elas ofuscam totalmente as tulipas azuis, que são da mesma cor dos meus olhos.

  — Lucynda? Lucynda!

  Eu detestava essa segunda versão formal do meu nome. Por que simplesmente não poderiam me chamar do nome que minha mãe me deu?

  Lucy, eu sou a Lucy. Só isso.

  — Sim? — Corri na direção de onde me chamavam. A voz era familiar, familiar e angustiante.

  Desejei profundamente não ter corrido na direção do som, mas era inevitável, uma hora ou outra ela me acharia. Ainda não aprendi a escalar muros de pedra, despistar guardas de prontidão para sair daqui e conhecer tudo que eu nunca conheci na vida. Se perder a minha liberdade era o preço de ser filha legítima do rei, eu gostaria de voltar no tempo e mudar a rota da minha alma.

Alados do SolOnde histórias criam vida. Descubra agora