25 fui no tororó

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Estava arrastando minha carcaça pelo chão de terra batida debaixo de um sol escaldante. O solo seco soltava poeira que fazia arder meus olhos. Sentei no chão e coloquei a cabeça entre as pernas, quanto tempo mais? Será que eu conseguiria chegar?

O burro ao meu lado respirava mal, por isso precisei descer de seu lombo e caminhar. Se Bastião morresse não adiantaria nada fazer essa viagem, já que não poderia levar muita água. Tudo isso aconteceu porque a porcaria da empresa de ônibus faliu. Seria tão mais simples viajar de ônibus até lá, não precisaria dormir na rua porque chegaria em um dia da minha cidade até a vila.

O que eu queria mesmo era sair desse fim de mundo e ir para a capital, lá deve ser melhor, pelo menos não vou passar sede. A questão é que eu não tinha onde cair morto, nenhum dinheiro guardado e nem terminado o segundo grau.

Pelo menos com a minha mãe eu tinha casa e comida, na maioria dos dias, o problema era a água. Todo ano era complicado, ninguém tinha uma boa relação com ela aqui por essas bandas, ou era enchente ou era seca.

Se sempre foi difícil, esse ano piorou o que já estava ruim. A seca começou dois meses antes do normal e a água que juntamos não bastou. O caminhão-pipa tinha subido de vinte e cinco reais por mil litros para cem, pela mesma quantidade de água, o que não durava nem dez minutos com as pessoas enchendo seus baldes. Por causa disso as pessoas não conseguiam mais pedir.

Todo mundo ali era tão pobre quanto eu. O prefeito disse que tinha pedido mais verba para comprar água, mas sabia que isso era enrolação, todo ano ele fala isso e não temos caminhões suficientes. Por isso o povo precisa tirar do bolso pra ter. Metade do ano a gente não tinha água na torneira.

Eu não queria fazer a viagem, ainda mais depois que tive que vender a moto pra comprar coisa pra família e a tal da empresa de ônibus faliu. Falei que devíamos ter vendido o Bastião em vez da minha moto, já que ele bebe água. Mas todo mundo me apedrejou por isso, dizendo que o bicho era da família. Família sou eu, não esse burro pulguento.

Ninguém me agradeceu também, disseram que o dinheiro da moto ia pras compras da casa, que eu também devia colaborar e essas merdas de sempre. Só que sempre ajudei a família, meu trabalho podia não ser fixo, mas eu pegava uns bicos quase todo mês e dava o dinheiro pra ajudar o povo. E daí que meus irmãos pagavam mais? Eles tinham trabalhavam no mercado, recebiam certinho.

Como eu não trabalho todo dia sobrou para eu fazer essa viagem de merda pra pegar água. De que adianta receber todo mês se não conseguem encomendar um caminhão-pipa? Olhei com raiva para o Bastião, que estava tão exausto quanto eu.

Levantei, todo dolorido e sujo, puxei o cabresto do bastião e seguimos viagem. O povo de casa disse que eu ia fazer esse caminho uma vez por semana, porque todo mundo no bairro só tinha direito a três baldes por caminhão-pipa. Com a água do tororó íamos fazer uma reserva, essa seria toda nossa, não ia precisar dividir com o resto do bairro.

Já era quase de noite quando cheguei no rio, ou o que era o rio. Não acreditei quando vi aquele fiapo de água barrenta, não ia servir pra levar. Fiquei andando dois dias nesse burro pra descobrir que não tem nada de bom. Sentei no chão e fiquei olhando pro barro. Eu também não tinha mais água. Tomei tudo que tinha na ida porque ia encher na volta. Eu estava fodido.

Deitei de vez na terra, liguei meu celular e não tinha sinal. Tinha que ser, desgraça sempre vem acompanhada. O Bastião cheirou a água, voltou, mas depois tomou. Olhei pra ele, estava morto de sede. Fui até o riacho e coloquei a mão pra beber assim mesmo.

-Ei moço, faz isso não, vai ficar doente. Eu divido um pouco da minha água.

Olhei pra trás e vi uma morena linda, parecia a Gabriela daquelas novelas, morena, cabelão cacheado, uns olhos de jabuticaba e o corpo que era difícil de parar de olhar.

-Moço?

-Ah, desculpa. Posso mesmo?

-Claro.

Fui até ela e peguei a garrafa e tomei um tanto.

-Olha moço, o tororó desviou, agora ele fica pra lá.

Ela disse, apontando para a direita.

-Qual seu nome?

-Maria, e o seu?

-Júlio.

-Você vai levar meio dia pra chegar lá nesse seu burro, mas tem água lá.

Cocei a cabeça, estava suja, eu inteiro estava sujo. Agradeci a Maria, sem ela teria perdido a viagem e deixei a bela morena no Tororó.

Descontando ContosOnde histórias criam vida. Descubra agora