Capítulo 02. Uma manhã do século XXI

239 35 620
                                    

— Me passa o leite, Joana.

Não houve resposta.

— Joana, me passa o leite.

Nada de novo. Maria Joana parecia que nem estava ali, sentada àquela mesa para o café da manhã.

Com muito esforço, conseguiu dormir pelo resto da última noite. Na verdade, havia alimentado o seguinte pensamento: aquela mensagem, contendo aquelas palavras infames, não era nada. Contudo, uma vozinha irritante, a qual não podia controlar em seu íntimo, tendia a discordar. Na manhã que se seguiu, essa mesma vozinha estava de vento em popa.

— Joana!

Dessa vez, Taís esbravejou, o que finalmente fez a outra moça voltar a si, que respondeu:

— Desculpa... Falava alguma coisa?

— Estava te chamando há séculos, garota! Pode me passar o leite, por favor?

Ela atendeu ao pedido da colega, que, por sua vez, se serviu com um pouco da bebida de cor branca misturada com o café previamente preparado.

Taís deu um gole, sem tirar os olhos da outra. Apoiou o copo de vidro na mesa e, ainda encarando Joana de modo analisador, indagou:

— Está tudo bem?

Mais uma vez, a resposta demorou a vir, não porque Joana havia se distraído de novo, mas por não saber como formulá-la. Acabou proferindo a primeira coisa que veio à cabeça:

— Está sim... Não se preocupe... São só... problemas da faculdade...

— Ah! Nem me fale! Os professores desse semestre querem até a minha alma, pelo visto...

Joana deu graças aos céus pelo fato de sua amiga não ter insistido em querer interrogá-la. Não seria justo enchê-la com um suposto problema, o qual nem sabia se era real.

A partir daí, a conversa foi fluindo, com ênfase justamente na vida acadêmica de cada uma, ou melhor, mais na de Taís do que na de Maria Joana, que ainda se manteve calada e um tanto distante.

Para não dizer que não deu um pingo de atenção, ela ouviu a colega contando que começaria a estudar formas de vida de água doce. Taís demonstrava animação enquanto falava, porém, não era o suficiente para que Joana voltasse cem por cento à realidade.

Não querendo passar uma imagem de rogada, a estudante de Letras esboçou um sorriso. Não foi o seu sorriso mais radiante, mas foi o melhor que pôde oferecer naquele momento. Novamente, decidiu não relatar a respeito do ocorrido na noite anterior. Não era do seu feitio bancar a estraga-prazeres.

Só não estava contando com um fato: mesmo que se conhecessem há menos de um ano, Taís já sacava o seu jeito. Desse modo, ela insistiu:

— Querida, está realmente tudo bem?

Não houve uma réplica verbal da parte de Joana, que se limitou a um manear negativo com a cabeça, como se quisesse mostrar que, de fato, não estava acontecendo nada de ruim. Se soou convincente ou não, essa, nem de longe, era a maior de suas preocupações.

Após a refeição matutina, ambas logo foram se arrumar. Meia hora depois, já na entrada da UPAZ, separaram-se e dirigiram-se, cada uma, para as suas respectivas aulas.

Pelos longos corredores, dava para notar que, aos cochichos, o assunto não era outro senão a morte de um de seus universitários.

Com um suspiro pesado, Maria Joana fez uma declaração mental:

"— Hoje será um longo dia..."

"

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Entre Letras e Sangue (Livro I)Onde histórias criam vida. Descubra agora