Pequenas ajudas...

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Midsommar termina em Outubro de 2018, Budapeste.

Little Women começa em Outubro de 2018, Boston.





Minhas bolsas e malas estavam prontas em cima da cama, eu tinha tido um dia de merda, mas de novo não foi só um dia de merda, foram semanas e meses assim. Minha cabeça estava cheia de imagens pesadas que eu mesma coloquei ali.

Trabalhar em filmes que demandam uma carga psicológica imensa com Midsommar, colocavam a carreira de atriz em perspectiva para mim, não é como se eu tivesse dúvidas ou sentisse que não posso dar conta. Eu posso, realmente posso. O problema real é que eu aprendi que a atuação é muito mais do que decorar falas e estar nas marcações certas, ou ter um rosto vendável. Isso eu aprendi muito cedo. Sempre vai ter um filho da puta dizendo que você precisa emagrecer ou para que você mude seu jeito de falar, seus trejeitos, seu sotaque, foda-se, eles já tentaram mudar a minha gargalhada.

Eu não me importo de parecer uma velha senhora fumante, não é sobre isso que se trata minha gargalhada que é muito marcante, obrigada, enquanto eu quase perdi a capacidade de gargalhar quando eu era criança eu não sou um exemplo agora, de certa forma eu serei essa velha senhora fumante sim.

Eu gargalhei alto para os meus pensamentos e acendi um cigarro somente porque eu podia. Eu sentei na cama ainda pensando em como essa merda de sentimento ruim que está instalado na dor de cabeça leve nas minhas têmporas está me afetando.

Enquanto as pessoas tentam te moldar, elas vão incutindo em você partes novas que você não sabia que te cabiam. Vivenciar pesadelos fictícios e fingir segurar cargas mentais fode com seu psicológico eventualmente.

Esse filme me consumiu de muitas maneiras. Eu, voluntariamente, em busca da nota perfeita, para viver Dani, me coloquei antes de tudo num papel muito pessimista de me deixar piorar as vivências e sensações com as barbaridades do roteiro. Eu abusei não somente da minha capacidade psicológica de relevar a carga, como abusei do meu corpo ao achar que eu daria conta sem consequências.

A cada dia, o conteúdo ficava mais estranho e difícil de fazer.

Eu estou com um voo marcado para iniciar um novo projeto, um incrivelmente diferente, com uma relevância tão considerável quanto minha tarefa recém terminada. Eu fui escolhida para dar uma nova voz a Amy March, a mais jovem e historicamente mais odiada das quatro irmãs March em Little Women de Greta Gerwig, adaptação da obra de Louisa May Alcott.

Eu sinto que mal estou tendo tempo para recuperar o fôlego entre o inferno de Midsommar e já vou me jogar nesse cenário pós-Guerra Civil de Little Women.

É estranho que eu sinta essa carga imensa de culpa por estar saindo assim, tão rápido, parecendo uma fugitiva, eu definitivamente me sinto como se tivesse deixado Dani lá naquele campo para ser abusada... naquele estado emocional, quase como se eu tivesse criado essa pessoa e depois a deixei lá, simplesmente para... ir fazer outro filme.

Parece mesquinho porque realmente é. Eu não deveria deixar que um personagem estivesse tão entranhado em mim.

As batidas na porta não me fizeram querer levantar. Estou cansada e quem quer que precise da minha atenção vai ter que lutar por isso hoje. Eu subi minhas pernas as cruzando na cama enquanto tragava meu cigarro me deliciando com a gentileza com que a fumaça e a nicotina estavam me tratando. Um pequeno bolsão de alívio se você me perguntar.

"Entre." Eu disse depois de mais uma batida. Alguém é insistente pra caralho.

Ari Aster o diretor desse filme do caralho que provavelmente vai deixar meu nome em evidência no próximo ano entrou quase timidamente no quarto.

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