Rue decidiu confiar inteiramente em mim. Sei disso porque assim que o hino para de tocarela se enrosca em mim e cai no sono. Também não tenho nenhuma desconfiança dela,portanto não tomo nenhuma precaução particular. Se quisesse me ver morta, ela só precisariater sumido daquela árvore sem me apontar o ninho das teleguiadas. Mas o que estáalfinetando minha mente é bastante óbvio: nós duas não podemos vencer esses Jogos. Mascomo as probabilidades de nenhuma das duas sobreviver são ainda maiores, consigo ignorar opensamento.
Além do mais, estou concentrada em minha última ideia a respeito dos Carreiristas e de seussuprimentos. De algum modo, Rue e eu devemos achar uma forma de destruir sua comida.Tenho certeza absoluta de que teriam muita dificuldade se precisassem arrumar comida.Tradicionalmente, a estratégia dos tributos Carreiristas é tomar posse de toda a comida logono início e trabalhar a partir daí. Os anos em que não fizeram essa proteção muito bem – num ano um bando de répteis hediondos destruiu toda a comida, em outro uma enchente produzidapor um Idealizador dos Jogos inundou tudo – foram normalmente os anos em que os tributosde outros distritos venceram. O fato de os Carreiristas terem sido mais bem alimentados aolongo do crescimento, na verdade, é uma desvantagem para eles, porque eles não sabem oque é estar faminto. Não da forma como eu e Rue sabemos.
Mas estou exausta demais para começar qualquer plano detalhado agora. Meus ferimentosainda em tratamento, minha mente ainda um pouco enevoada devido ao veneno, o calor deRue ao meu lado e sua cabeça aninhada em meu ombro deram-me uma sensação desegurança. Percebo pela primeira vez como tenho estado solitária na arena. O quãoconfortável pode ser a presença de outro ser humano. Cedo ao entorpecimento, resolvendoque amanhã viraremos a mesa. Amanhã serão os Carreiristas que terão de tomar cuidado.
O estrondo do canhão me acorda de supetão. O céu está com faixas de luz, os pássaros jáestão tagarelando. Rue se equilibra em um galho na minha frente, suas mãos segurandoalguma coisa. Esperamos ouvir outros tiros: não há, porém, mais nenhum.
– Quem você acha que morreu? – Não consigo evitar imaginar que tenha sido Peeta.
– Não sei. Pode ter sido qualquer um dos outros – diz Rue. – Acho que saberemos à noite.
– Quem é que restou mesmo? – pergunto.
– O garoto do Distrito 1. Os dois tributos do 2. O garoto do 3. Thresh e eu. E você e Peeta– conta Rue. – Oito ao total. Espera aí, tem também o garoto do 10, o que tem a perna ruim.Com ele são nove.
Tem mais alguém, mas nenhuma das duas consegue lembrar quem é.
– Imagino como esse último tenha morrido – comenta Rue.
– Não dá pra saber. Mas é bom pra nós duas. Uma morte deverá segurar a multidão umpouco. Talvez tenhamos tempo pra fazer alguma coisa antes que os Idealizadores dos Jogosdecidam que tudo está andando muito lentamente. O que você está segurando?
– O café da manhã – responde Rue. Ela estende as mãos e revela dois ovos grandes.
– Que espécie de ovo é essa?
– Não tenho certeza. Tem uma região pantanosa naquela direção. Deve ser de algum tipo depássaro aquático – sugere ela.
Seria bom cozinhá-los, mas nenhuma das duas quer correr o risco de acender uma fogueira.Minha hipótese é que o tributo morto hoje foi vítima dos Carreiristas, o que significa que elesestão suficientemente recuperados para voltar à disputa. Cada uma de nós suga o interior deum ovo, come uma perna de coelho e algumas amoras. É um bom desjejum em qualquercircunstância.
– Está pronta pra fazer aquilo? – pergunto, puxando a mochila.
– Fazer o quê? – devolve Rue, mas pela forma como se anima, dá para ver que estariadisposta a fazer qualquer coisa que eu propusesse.
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Jogos Vorazes (1º Livro)
AdventureNum futuro pós-apocalíptico, surge das cinzas do que foi a América do Norte Panem, uma nova nação governada por um regime totalitário que a partir da megalópole, Capitol, governa os doze Distritos com mão de ferro. Uma anterior revolta fracassada do...