Capítulo 1

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Mãe! Cadê minha bolsa rosa? Mãe?
Existem poucas coisas que uma adolescente de dezessete anos tem certeza.
Como qual faculdade escolher, qual a hora certa de perder a virgindade ou para quais
amigos confidenciar seus segredos. Mas nessa idade eu tinha certeza de algo: meus pais
jamais deveriam ter se conhecido. Sei o que você deve estar pensando: ―se eles não
tivessem se conhecido, você não teria nascido‖. É uma forma de pensar. Porém, ver sua
mãe sentada no chão chorando não é uma visão nada agradável.
— Mãe? — Sentei ao seu lado e a abracei — o que aconteceu? – Ela apenas balançou a
cabeça em negação — vamos embora — declarei.
O quê? — Ela perguntou, erguendo o olhar para mim — o que você está falando,
Mariana?
— Vamos embora — falei novamente mais alto, tentando não só convencê-la, mas
também a mim a fazer aquilo.
— Você enlouqueceu? Para onde?
— Não sei, qualquer lugar! Não aguento mais isso, não aguento mais ver você assim.
Vamos, pegue suas coisas — falei estendendo-lhe a mão e a levantando.
Pude ver a confusão em seu rosto, mas ela concordou. Bem rápido, fiz uma
mala, ela outra e ao descermos as escadas, olhei nossa sala de estar. Poucas fotos
enfeitavam o painel com a TV. Uma de minha mãe e eu na piscina do clube, outra de
meu pai e meu avô mais jovens e uma terceira de mim formada no ensino fundamental,
ela ali segurando minha mão. Nunca quis irmãos, apesar de não ter uma vida perfeita,
ser filha única era muito legal, sempre gostei disso.
Entramos no carro e encaramos o portão branco. A chave na ignição, mas sem a
coragem para dar partida.
— Mãe? Precisamos ir, antes que...
— Antes que ele volte.
— Sim.
Ela se virou para mim. Quase me implorando para assumir aquilo.
— Ele vai ficar furioso, Mari... — Ela declarou finalmente, pisando no freio e deixando
metade do carro dentro e metade fora da garagem. Mordia o lábio e batia os polegares
no volante, claramente nervosa demais.
— Vai... mas temos que ir — falei segurando sua mão, que estava muito fria e suada.
— Para onde vamos? — Perguntou depois de dez minutos. Estávamos dirigindo sem
rumo, apenas querendo se afastar o mais rápido possível de nossa casa.
- Vamos para a casa da vovó Cíntia.
— Ah, não, não quero envolver sua avó nisso. – Respondeu ela distraidamente enquanto
dava a seta e atravessava um cruzamento.
— Ou vamos para um hotel.
Concordamos. Encontrar um hotel longe de casa não era difícil, vendo a cidade
de Brasília passando pela janela. O trânsito estava calmo e sem buzinas altas, nada
parecido com o clima tenso que deixamos ao sair. Pesquisei um lugar legal na internet
que não fosse caro; com os anos, aprendi que ― não somos ricos, só vivemos bem‖ —
era o que meu pai sempre dizia quando eu pedia para viajarmos, ou algo que ele
considerasse caro demais.
— Acho que vamos ficar bem aqui, por enquanto — falou minha mãe ao fechar a porta
e sentar na cama. Puxou-me ao seu colo e me abraçou — desculpa, querida — disse,
sussurrando.
— Tudo bem mãe, vamos ficar bem...
~
Mais tarde naquele mesmo dia, acordei com minha mãe ao telefone. Ela olhava
pela janela e chorava.
— Não, André, não vou voltar... Não! Ela também não quer... — Falou isso olhando
para mim. — Olha aqui, se você... — Parou no meio da frase e entrou para o banheiro,
batendo a porta.
Peguei o telefone e havia duas mensagens: de Caio e de meu pai querendo
saber onde estávamos.
―Está tudo bem?‖/ ―Vamos num rodízio de pizza hoje, com a galera da banda, quer ir?‖
— escreveu Caio, finalizando com vários gifs de pessoas comendopizza. Ele era viciado
em usar as imagens para se expressar.
Parte de mim queria se empanturrar de pizza, mas a outra queria ficar bem ali.
―Estou bem, depois conversamos‖.
Nada fazia sentido, tudo ia mudar agora. Para onde íamos? O que faríamos?
Engoli em seco. Estudava para o vestibular há meses e as provas estavam chegando.
Quase sempre a agitação em casa me fazia fugir para a Biblioteca Nacional em busca de paz e tranquilidade para estudar, e sempre que voltava, questionava-me se todo o
esforço valia a pena.
Meus pensamentos passavam como um trem desgovernado, mal podia ser ver os
passageiros. Escutei a porta do banheiro sendo destrancada e vi minha mãe sair com o
rosto lavado e olhos vermelhos.
- Não sei se isso foi uma boa ideia — disse num soluço, com celular nas mãos – seu pai
está vindo para cá.

―Foi sem querer, não falei onde estávamos de propósito‖.
O choro demorou a cessar desde que ela saiu do banheiro. Por mais que a
amasse, era difícil lidar com aquela situação. Sempre me perguntei por que minha mãe
suportava algumas coisas. Ofensas, calúnias e tantas outras situações difíceis até de
descrever. Em parte, sei que era por mim, mas outras eu não sabia. Tinha a impressão de
que só saberia quando fosse mais velha.
— Tudo bem — trouxe-a para minha cama e nos deitamos — adoro camas de hotéis.
Sempre parecem que são melhores que as que temos em casa. Lembra-se daquela
viagem que fizemos quando eu tinha 13 anos? Aquela pousada em Goiânia era muito
legal. – Comentei sorrindo, ela sorriu também.
— Sabe, Mari — respondeu distraidamente, sem comentar sobre minha lembrança —
por mais que você tenha vindo comigo por livre e espontânea vontade, seu pai tem o
direito de saber onde você está. Você ainda é menor de idade.
— Eu sei — retruquei suspirando — mas mês que vem eu faço dezoito anos.
— Meu Deus, é verdade — ela me encarou para mim espantada — tinha esquecido,
como você cresceu rápido, meu amor.

Achei que não era um bom momento para falar que haviam se esquecido de
meu aniversário do ano passado; foi numa época complicada demais. Meu pai precisou
passar por uma cirurgia de emergência para retirar o apêndice, o que gerou muitos
conflitos em casa. Minha mãe fazia de tudo, mas nada parecia o suficiente. Ficamos ali
deitadas, pensando em tudo, mas sem falar nada. Não parecia que havia se passado tanto
tempo, até ouvirmos uma batida na porta que fez nossos corpos ficarem tensos e
exasperados pelo que havia de vir a seguir.

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