A noite chegou e vi nosso perfil ganhar seguidores e elogios. Vizinhos diziam
que as empadas eram tudo de bom. Vovó, com todo entusiasmo, fez macarronada com
salsicha, que segundo ela era minha comida favorita quando criança.
Depois do pôr-do-sol, vovó acendeu as luzes do jardim e a casa se transformou
num lugar divino. Sentamo-nos no banco da varanda e ela pegou sua caixa cheia de
linhas de croché e agulhas. Com precisão, ela retomou seu bordado de onde havia
parado, e me perguntei a quantidade de coisas que minha avó era capaz de fazer.
— Mari, você trouxe seus livros e caderno para estudar? — Perguntou mamãe se
juntando a nós e sentando no chão.
— Alguns.
— Já decidiu que faculdade vai fazer, querida? — Quis saber vovó, olhando para mim
por cima dos óculos.
— Quero ser engenheira — declarei baixinho.
— Ah, que interessante — ela falou, parando a agulha e olhando para minha mãe — sua
mãe sempre quis ser engenheira.
— Sério? — respondi, surpresa, pois realmente não sabia. Ao longo dos anos, minha
mãe teve vários empregos temporários. Secretária, vendedora de lojas, mas
inexplicavelmente saía de todos. Algo me diz que meu pai tinha culpa nisso.
— Sim, ela era uma das alunas mais inteligentes da turma, sempre a elogiavam, até ela
conhecer aquele homem e...
— Mãe. — Ela a interrompeu e acenou com a cabeça pedindo para parar.
— Enfim, sua mãe, Mariana… — Falou vovó, pigarreando e falando um pouco mais
alto — deveria acreditar mais em si, apesar de ser uma ótima mãe para você, disso eu
não tenho dúvidas — minha mãe sorriu tristemente — ela deixou muitas coisas para trás
por causa de outras pessoas, ou melhor, uma pessoa.
Abrir mão de vontades era o que eu via constantemente, desde decidir da cor da
casa ao que comer. Não se comia peixe em nossa casa, pois meu pai odiava e se ele não
comia, ninguém mais comia. Não recebia visitas, porque ele odiava pessoas estranhas:
―ficam olhando nossas coisas e as cobiçando‖. Eram coisas e situações que eu não
notava o quão desgastantes eram para ela.
— Vovó, a senhora não tem internet aqui, tem? — Ela riu e acenou dizendo que não —
amanhã terei que ir à biblioteca então.
— Não se preocupe, meu bem — falou minha mãe se levantando e passando as mãos
em meus cabelos — farei o que for possível para que você realize seus sonhos.
— Acho que ela vai acreditar mais se fizer o mesmo por você, querida. — Disse vovó
com um sorriso triunfante e começou a cantarolar a música Mais uma vez do Renato
Russo, retomando seu bordado.
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Tradicional
ChickLitMariana tem problemas normais que uma garota de dezessete anos costuma pensar ter : pensar no futuro, qual curso escolher na faculdade, relacionamentos... Mas o maior problema que ela pensa ter é o complicado casamento de seus pais, e isso leva ela...