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Pov Camila

Colado em uma lixeira do lado de fora do Popeyes Louisiana Kitchen na esquina das avenidas Parkside e Flatbush.

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...

— Posso tocar em você? - É a primeira coisa que o cara tatuado me diz quando me acomodo na almofada desbotada no meio do sofá de couro marrom.

Um móvel de segunda mão caindo aos pedaços que vem sendo um personagem
frequente nos últimos quatro anos e meio de faculdade. Do tipo que você enche de livros teóricos, em que “apaga” na casa dos outros ou em que senta para tomar uma coca quente enquanto não fala com  ninguém numa festa.

O típico sofá detonado dos vinte e poucos anos.

A maioria dos móveis é tão detonada quanto o sofá, tudo descombinado, garimpado e trazido da rua. Entretanto, quando o cara tatuado, Lendon, se senta na minha frente, em uma cadeira Eames surpreendentemente sofisticada.

O lugar é assim: um misto de familiar e completamente estranho. Pequeno e apertado, tons pesados de verde e amarelo nas paredes. Plantas pendendo de quase todas as superfícies, galhos compridos se estendendo entre as prateleiras, um leve cheiro terroso.

As janelas têm os mesmos caixilhos fechados à tinta dos apartamentos antigos de New Orleans, mas metade está coberta de páginas de desenhos, e a luz vespertina que atravessa é opaca e cerosa.

Há uma escultura de um metro e meio de Judy Garland feita com peças de bicicleta e marshmallow colorido no canto. Só é possível reconhecê-la porque há uma placa dizendo: olá, meu nome é judy garland.

Lendon olha para ela, a mão estendida, enevoada pelo vapor do chá.

Todo de preto, ele tem um charme de rockeiro retrô, um undercut no cabelo escuro sobre a pele clara e um maxilar confiante, além de um cristal pendurado em uma orelha. Tatuagens correm os dois braços e sobem pela garganta sob a gola abotoada. Sua voz é um pouco rouca, como se estivesse se recuperando de um resfriado, e ele morde um palito de dente no canto da boca.

Beleza, Danny Zuko, vamos com calma.

— Desculpa, hm. — eu o encara, sem entender a pergunta. — Como é que é?

— Não de um jeito esquisito. — A tatuagem no dorso da mão dele é uma prancheta de Ouija. Seus dedos dizem full moon. Deus
do céu. — Só quero sentir sua energia. Às vezes o contato físico ajuda.

— Como assim, você é…?

— Médium, isso — ele diz com naturalidade. O palito rola pela  linha branca de seus dentes quando ele abre um sorriso largo e suave. — É uma palavra para descrever. Clarividente, abençoado, bruxo, como preferir.

Jesus. Claro. Era óbvio que um quarto de setecentos dólares por mês no Brooklyn teria uma pegadinha, e a pegadinha é a Judy Garland de marshmallow e aquele Springsteen de araque que deve estar
prestes a falar que a aura dela está amassada e virada do avesso feito uma
meia-calça barata.

Mas eu não tenho para onde ir, e tem um Popeyes no primeiro andar do prédio.

Eu não confio nas pessoas, mas confio em
frango frito.

Deixo Lendon tocar em minhas mãos.

— Legal — ele diz, inexpressivo, como se tivesse botado a cabeça para fora para ver como está o clima. Ele bate dois dedos atrás dos meus dedos e volta a se recostar. — Ah. Ah, uau, certo. Que interessante.

A Garota do Metrô- CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora